quinta-feira, julho 21, 2011

Lucian Freud (1922 - 2011)


Pintor de um realismo inclassificável, tão obsessivamente figurativo a ponto de parecer tentado pela abstracção, criador emocionalmente violento e também mestre de um paradoxal pudor, Lucian Freud foi um dos maiores artistas nascidos no século XX — faleceu no dia 20 de Junho, na sua casa de Londres, contava 88 anos.
Nascido em Berlim a 8 de Dezembro de 1922, neto de Sigmund Freud, foi viver para Inglaterra, com os pais, em 1931, tendo adquirido a nacionalidade britânica em 1939. Estudou em várias instituições, incluindo a Central School of Art e a Goldsmiths, da Universidade de Londres. Depois de libertado do serviço militar, em 1942, desenhou as ilustrações para um livro de poemas de Nicholas Moore (The Glass Tower), vindo a expor pela primeira vez em 1944.
Historicamente, Freud surge associado à chamada "Escola de Londres", grupo não oficial em que se incluíam também Francis Bacon, Frank Auerbach e Reginald Gray. Mais do que um movimento artístico, eles definiam uma paisagem de cumplicidades centradas na figuração humana (e na materialidade do corpo), opção tanto mais artisticamente incorrecta quanto se afirmava em plena euforia das abstracções. Ironicamente, os primórdios da pintura de Freud conservam muitos elementos surrealistas, ou "surrealizantes", tratando as suas personagens como peões de um xadrez de sugestões mais ou menos simbólicas.
Rapariga com Gatinho, 1947
Em todo o caso, a evolução do pintor seria num sentido cada vez mais ligado ao retrato, investindo num realismo — ou devemos falar numa paradoxal pulsão realista? — muitas vezes ancorado nos seus círculos mais íntimos (família, amigos, outros artistas). Rapariga com Cão Branco (1951), retratando a sua primeira mulher, quando estava grávida, poderá simbolizar essa viragem. A propósito desse período, evocando a influência da carnalidade de Ingres e também o contexto intelectual europeu fortemente marcado pelas ideias de Jean-Paul Sartre, o crítico Herbert Read definiu Freud através de uma sugestiva expressão: "o Ingres do existencialismo".
Rapariga com Cão Branco, 1951
Rapariga Nua a Dormir II, 1968
Na sua pintura, a nudez foi-se impondo como uma espécie de suprema evidência e também de radical ambiguidade — como se a exposição do corpo aumentasse a impenetrabilidade de cada identidade; ou ainda como se tal exposição instalasse uma quietude tão radical que só nos pode suscitar o sereno reconhecimento de que aqueles corpos já contêm a morte que os vai degradar. A repetida presença de cães acentua tal reconhecimento, ao mesmo tempo que resgata todas as personagens de qualquer luto antecipado.
Eli e David, 2005-06
Descrevendo os seus retratos, Freud disse um dia: "Pinto pessoas, não por causa daquilo com que se parecem, não apesar daquilo com que se parecem, mas pela maneira como são [o sublinhado é meu]." Por razões mediáticas, o seu trabalho foi mais divulgado através da sua visão de algumas personalidades famosas, incluindo um nu de Kate Moss e um retrato terno e cruel, especialmente polémico, da Rainha Isabel II — sobre este retrato, o tablóide The Sun escreveu que se tratava de "um travesti", o que, em qualquer caso, tem a enorme vantagem de nos esclarecer sobre a miséria dos respectivos valores jornalísticos.
Freud e Isabel II
Rainha Isabel II, 2001
No agitado começo deste nosso século XXI, a sua herança envolve uma candura dramática, propriamente narrativa. Lucian Freud é, em última instância, um pintor do não-apagamento da entidade humana, alguém que, mesmo sem nunca se pronunciar sobre o assunto, se demarca de todas as ilusões "libertárias" que possam ser abusivamente associadas às delícias das novas intervenções digitais. Em particular na espantosa galeria dos seus auto-retratos, vemos a contundência de uma arte que não abdica da possibilidade do tacto — envolvendo o tacto, o desejo que nele habita, a suposição de que o outro também quer ser tocado.
Auto-retrato (reflexo com duas crianças), 1965
Auto-retrato, 1985
Auto-retrato, 2002
>>> Obituário na BBC.
>>> Obituário no New York Times.
>>> Artigo de Lawrence Going sobre Lucian Freud, no Artchive.
>>> Exposição na Tate Britain (2002).
>>> Exposição no Centro Pompidou (2010).