quinta-feira, julho 21, 2011

3 x Lincoln (1)


Em cinema, de que se faz, afinal, a história?
Ou dito de outro modo: como é que o cinema ainda escapa à formatação televisiva, dando-nos a ver a história — o fazer da história — como algo que não se limita a "reproduzir" o passado, mas que compromete todo o nosso presente?
Em A Conspiradora, a sua oitava longa-metragem como realizador, Robert Redford [foto de rodagem] relança essas questões a partir da figura, emblemática entre todas, que é Abraham Lincoln (1809-1865) — obviamente não por acaso, uma personagem com importante presença dramática e simbólica na história de Hollywood.
É um filme que abre com o assassinato de Lincoln, já que o seu tema nuclear é o pós-Lincoln. Mais exactamente: centra-se no destino de Mary Surratt (Robin Wright), acusada de participar na conspiração para matar aquele que foi o 16º Presidente dos EUA.
A odisseia de Surratt envolve uma perturbante carga simbólica (e creio que é importante não divulgar aquilo que lhe acontece nos textos que se possam escrever sobre A Conspiradora: afinal de contas, ela será bem conhecida da maioria dos espectadores americanos, mas ignorada de quase todos os outros). Por três razões fundamentais:
1) - a sua condição de mulher confere-lhe um protagonismo "marginal" no contexto social e político em que os acontecimentos decorrem;
2) - o fim da Guerra Civil (o general Robert E. Lee, das forças sulistas, rendeu-se cinco dias antes de John Wilkes Booth ter disparado contra Lincoln) gerava uma conjuntura fortemente marcada pela pesada herança da escravatura;
3) - enfim, a defesa de Surratt coloca em jogo toda uma série de elementos perturbantes, impensados ou recalcados, sobre o direito de cada ser humano a defender-se e ser defendido à face da lei.
Daí a extrema importância, ao mesmo tempo dramática e simbólica, da personagem de Frederick Aiken (James McAvoy), o jovem advogado de defesa de Surratt. Ele é, afinal, o pivot de uma muito clássica lógica liberal de encenação.
Liberal, entenda-se, no sentido que liga a palavra à tradição política de Hollywood, tão exemplarmente assumida por Sydney Pollack (1934-2008), grande amigo de Redford e seu director em alguns filmes emblemáticos dessa tradição, incluindo O Nosso Amor de Ontem (1973), Os Três Dias do Condor (1975) e O Cowboy Eléctrico (1979).
Trata-se, assim, de questionar qual o lugar do indivíduo no interior de um dispositivo gerido pela realidade, e também pela mitologia, do colectivo — nessa perspectiva, Aiken é um duplo antecipado do cineasta: por ele passam as perguntas apaixonadas, mas contundentes, dirigidas a uma América à procura da sua própria identidade.

>>> Robert Redford na Wikipedia.
>>> Abraham Lincoln: Biblioteca e Museu Presidencial.
>>> Guerra Civil Americana: site do Washington Post, assinalando os 150 anos do conflito.