FOTO Eduardo Brito
Os Dias da Música, no CCB, continuam a ser uma festa. No sentido mais contagiante da palavra: pela diversidade de concertos (e eventos paralelos) perpassa sempre esse sentido, ao mesmo tempo lúdico e didáctico, de uma relação com a música que pressupõe a descoberta – ou seja: a disponibilidade do espectador/visitante.
Exemplo simples, mas eloquente, de tal dimensão foi o magnífico concerto de Joana Gama (domingo, 17h00): uma pequena antologia de obras de cinco autores – Leoš Janáček, V mlhách (Nas Brumas); Erik Satie, Véritables préludes flasques (pour un chien); Heitor Villa-Lobos, Suite infantil n.º 1; Enrique Granados, Libro de horas; Sergei Prokofiev, Toccata, op. 11 – unidas por uma razão de calendário. Ou seja: foram todas compostas em 1912.
Não será preciso cairmos em determinismos fáceis, mas é inevitável lembrar que são sons de um tempo em que o mundo caminhava para uma perdição (moral e civilizacional) que se traduziria na derrocada da Primeira Guerra Mundial. Não que as obras sejam banalmente proféticas – há mesmo muitas formas de alegria a circular pelas suas mágoas. São, em todo o caso, proezas de um tempo de muitas encruzilhadas, desde logo estéticas, rasgadas pela fértil tensão entre o velho e o novo, a suavidade da melancolia e a energia da experimentação. Se quisermos inverter a lógica profética, lembraremos, talvez, que o mais dramático protagonista dessa tensão, Gustav Mahler, morrera em 1911...
Ao piano, Joana Gama percorreu tudo isso como quem (re)organiza uma narrativa. De tal modo que a "colagem" das obras, por assim dizer num jogo de sucessivos raccords cinematográficos, contrariou as tradicionais palmas entre uma peça e outra. Foi uma viagem encantada e encantatória a um tempo que não pode voltar, ou melhor, a um tempo que reconhecemos ainda como interior ao nosso presente. Não é todos os dias que podemos percorrer a história (da música, ou outra), acedendo às formas e afectos de tal ambivalência.