terça-feira, março 15, 2011

À conversa com Alberto Seixas Santos (2/2)


E o Tempo Passa é um filme português em que se contempla o imaginário das telenovelas e, para além dele, o realismo da vida vivida — esta conversa com o realizador, Alberto Seixas Santos, serviu de base a uma entrevista publicada no Diário de Notícias(11 de Março).

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Trocavas a juventude deles [personagens do filme] pela tua?
Não. Por todas as razões e mais uma, mas sobretudo porque esta é uma sociedade que vai ser muito dura para eles. Nós, apesar de tudo, tivemos uma vida mais facilitada.

Mesmo vivendo no tempo do Estado Novo?
Sim. O Estado Novo pode ser visto também como uma coisa positiva, porque foi o que agregou muita gente, por exemplo no campo cultural. Sem o Estado Novo, provavelmente não teríamos tido uma vida tão activa no campo da cultura porque isso era, no fundo, a única coisa que nos restava: o refúgio da minha juventude era a cultura. No meu caso, o cinema, mas também a literatura, a pintura... Hoje, o cinema já não é importante para os jovens.

E esses jovens de agora reconhecem-se nas telenovelas que os representam?
Reconheceram-se em algumas personagens do Morangos com Açúcar, já que em alguns aspectos temáticos, em particular de natureza sexual, era bastante mais atrevido do que as novelas normais.

Esses jovens serão, provavelmente, espectadores de cinema que vão ver filmes do Batman. O que é esperas deles face a E o Tempo Passa?
Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se eles chegarão a ver o filme. Hoje em dia, os adolescentes vão pouco ao cinema: vêm filmes, mas não necessariamente numa sala. Depois, não sei o que é que eles pensam daqueles personagens. Gostava que tivessem curiosidade em ver, mas apesar de tudo o que fazem com mais consistência são as coisas do Facebook ou do Twitter.

Que diferenças há entre tudo isso e as tuas vivências enquanto jovem?
Nada a ver. O Facebook e o Twitter são espaços de “toca-e-foge”, não são espaços de ficar. As nossas relações de adolescentes eram muito fortes: constituíamos grupos, íamos para cafés, conversávamos o dia inteiro. Havia uma afinidade de grupo que hoje não me parece existir: os jovens parecem-me muito mais solitários. De alguma maneira, durante o fascismo, eu vivi num espaço colectivo que era o espaço da juventude ligada ao mundo da cultura. Hoje, creio que esse espaço está muito mais seccionado, com núcleos muito mais restritos — é a sensação que tenho, posso estar enganado.

E o que é que mudou em relação às figuras paternas?
Mudou muito. Não quer dizer que as relações afectivas sejam menos intensas, mas os jovens de hoje estão muito menos ligados aos pais. Na minha juventude, os pais eram mais importantes, até porque a família era mais constante, mais estável. Hoje, a família está muito mais fragmentada: por vezes, pais e mães encontram-se ao fim de semana para trocar o filho.

Será que isso contribui para desagregar a própria ideia de geração?
Creio que sim. A sensação que tenho é que há cada vez menos organizações de grupo e as pessoas só se encontram para eventos montados para elas. Por exemplo, 20 ou 30 mil espectadores no DocLisboa, 20 ou 30 mil no IndieLisboa... Mas a verdade é que isso não quer dizer nada: 90 por cento daquelas pessoas não voltarão a outra sessão de cinema a não ser no novo Doc ou no novo Indie. O evento acaba e aquelas pessoas desaparecem. Para onde vão? Provavelmente, esta é uma sociedade que vive disso, da fabricação de eventos.

Quer isso dizer que já não existe um colectivo a que possamos chamar público de cinema?
Não, não existe. Normalmente, quando vou ver um filme, a sala está menos de meia. Sou de um tempo que as salas esgotavam. E eram salas de mil lugares... O cinema já não é uma arte popular. É a própria vida a mexer. Entristece-me que o público de cinema tenha desaparecido... Mas é assim. É o movimento das coisas e eu sou um optimista.