segunda-feira, março 14, 2011

À conversa com Alberto Seixas Santos (1/2)


E o Tempo Passa é um filme português em que se contempla o imaginário das telenovelas e, para além dele, o realismo da vida vivida — esta conversa com o realizador, Alberto Seixas Santos, serviu de base a uma entrevista publicada no Diário de Notícias (11 de Março).


O título E o Tempo Passa é uma expressão de desencanto (pelo que vamos perdendo com o passar do tempo) ou de aceitação (vivendo aquilo que o tempo nos dá)?

Uma coisa e outra. Por um lado, é evidente que o tempo passa, é uma inevitabilidade. Mas como o tempo passou, há coisas que ficaram no passado, tiveram a sua consistência nesse passado, e não se vão repetir.

Essas “coisas” são geracionais?
São coisas ligadas a gerações, como é evidente, mas têm a ver com tempo do mundo. O que sinto é que as gerações se vão substituindo, trazendo outras coisas, o que em si mesmo não é bom nem mau. É bom que seja diferente e original.

A tua geração, que nasceu para o cinema nos anos 1950/60, está desencantada em relação ao tempo que passa? Ou só podemos falar das diferenças individuais?
No meu caso, descobri há muito tempo que nos meus filmes me projecto sempre, como um fantasma, num papel feminino: em E o Tempo que Passa, a personagem da Isabel Ruth é a que está mais próxima de mim, aquela com quem mais me relaciono. Quanto à geração do Cinema Novo, diria que há várias gerações diferentes dentro dela. Hoje, sinto que pertenço ao passado: o que me interessa é o cinema que se fez e, acidentalmente, um ou outro filme contemporâneo (por exemplo, o Filme Socialismo, de Jean-Luc Godard). Na generalidade, o cinema do presente aborrece-me. A única coisa que me interessa no cinema é a capacidade do novo, abordando a sociedade em que vivemos, dando dela uma leitura tão próxima quanto possível do que somos. O que não quer dizer necessariamente realista, pode ser através dos fantasmas, fazendo aparecer coisas que sabemos que existem e, normalmente, não aparecem nos filmes.

Por exemplo?
Por exemplo, neste filme há um príncipe e um açougueiro. Foi uma associação que me surgiu. Não sei exactamente porquê, mas pareceu-me interessante por os dois a falar, para mais sendo um príncipe que só fala francês e um açougueiro que só fala português.


Em qualquer caso, este é um filme em que, talvez pela primeira vez no teu cinema, há um grupo geracional jovem.
Na versão inicial do argumento, não havia jovens. Havia uma telenovela, sim, e cheguei mesmo a pensar convidar actores da novela (Helena Isabel, Nicolau Breyner). Mas acabei por me dar conta que essa duplicação era pouco interessante. Decidi por isso criar um contraste muito maior entre a Isabel Ruth, a Sofia Aparício e todos os outros mais jovens. Apetecia-me explorar o ambiente de uma “escola de artes”, como na série americana Fame. Além disso, apercebi-me do razoável sucesso de uma novela de adolescentes na TVI, Morangos com Açúcar.

E quais são os resultados desse processo? O que é que liga essas personagens mais jovens?
A curiosidade.

Em relação a quê?
Em relação ao mundo em geral, mesmo se é uma curiosidade fragmentada, despreocupada: agarram em coisas e, ao mesmo tempo, podem largá-las muito depressa. São uma espécie de aves que saltam de árvore em árvore... São miúdos muito abertos, prontos a descobrir coisas, mas não se ligam a um objecto por muito tempo.
[continua]