Na RTP2, concluiu-se a transmissão da terceira temporada de Mad Men: momento de balanço de uma das mais fascinantes séries deste nosso século XXI — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 de Fevereiro), com o título histórias dos anos 60.
Criada e produzida por Matthew Weiner para o canal americano AMC, a série Mad Men já cumpriu quatro temporadas, estando prevista uma quinta para o corrente ano. Entre nós, a quarta já passou no Fox Next. Nos canais generalistas, mais precisamente na RTP2, concluiu-se a terceira temporada. No seu desenlace deparámos com um turbilhão emocional e social cujo núcleo simbólico terá estado no penúltimo episódio (12º), dirigido por Barbet Schroeder, com o assassinato de John F. Kennedy (22 de Novembro de 1963, recorde-se) a marcar os comportamentos e destinos de todas as personagens.
A referência à morte de Kennedy pode servir de mote para descrever a subtil relação com a memória histórica que, desde o início, a série tem mantido, aliás demarcando-se das retóricas fáceis de muitos produtos também de raiz televisiva. Não se trata, assim, de ir pontuando a acção com “efemérides”, como se a história colectiva fosse um mero pano de fundo. Cada evento citado (recordemos também, noutro episódio, a morte de Marilyn Monroe, a 5 de Agosto de 1962) surge como um acontecimento da história das próprias personagens, não um mero detalhe das manchetes de um dia especial.
A ruptura do casal Draper, Betty (January Jones) e Don (Jon Hamm), pareceu ocorrer, não apesar da morte de Kennedy, mas dir-se-ia que, pelo menos em parte, contaminada por ela. Há, sobretudo, na personagem de Betty uma radical exigência de verdade que, para além da sua beleza melodramática, nos remete de forma muito directa para a tradição romanesca de Hollywood e, em particular, para o trabalho de cineastas dos anos 50/60 como Douglas Sirk ou Richard Quine.
Aliás, importa voltar a sublinhar que este é um caso admirável de um produto especificamente televisivo que mantém uma ligação vital com o património do cinema clássico, sensível desde os conceitos de luz e cenografia até aos modos de construir uma cena, passando, claro, pelo registo de representação dos actores. Sendo a televisão, tantas vezes, e de forma tão irresponsável, uma máquina de esvaziamento das memórias, essa é também uma marca da excelência de Mad Men.