Clínica Privada é um bom exemplo de como as séries televisivas podem envolver uma grande complexidade psicológica — este texto integrava uma crónica de televisão publicada no Diário de Notícias (7 de Janeiro).
A série Clínica Privada/Private Practice (Fox Life), centrada num grupo de médicos de Los Angeles, representa uma curiosa evolução no interior das inevitáveis rotinas deste tipo de produtos. Desde logo porque prolonga uma outra série, Anatomia de Grey (RTP2, também na Fox Life), através da personagem de Addison Montgomery, a ginecologista interpretada por Kate Walsh; depois, porque aposta numa invulgar diversificação temática. Actualmente, contrariando as histórias com “princípio, meio e fim”, podemos assistir a uma série de episódios de invulgar complexidade psicológica, ligados pela violação de que é vítima uma das médicas, Charlotte King (KaDee Strickland). Porque Charlotte insiste em não revelar o que aconteceu, a não ser a Addison, precisamente, vive-se uma tragédia latente que acaba por colocar em jogo, não apenas delicados princípios deontológicos, mas também o modo como cada um encara o seu próprio estatuto social e profissional.
Clínica Privada serve para nos fazer perceber como o dispositivo corrente de telenovela é humanamente simplista. Não são os “factos” narrados que fazem a diferença. Como sempre, para além desses “factos”, o que distingue as histórias que se contam é o modo como são contadas.