segunda-feira, janeiro 10, 2011

Na morte de Carlos Castro


RENÉ MAGRITTE
A Arte da Conversação
1950

1. A morte do jornalista Carlos Castro, em Nova Iorque, é suficientemente chocante para aconselhar alguma contenção de palavras. O simples pudor implica resistir ao ruído mediático que se instalou, tanto mais que os respectivos discursos envolvem, não poucas vezes, uma lógica de obsceno tribunal popular ou ainda as mais torpes manifestações homofóbicas.

2. Como manifestação colateral, em particular na blogosfera, temos assistido à difusão de um discurso que a si mesmo se apresenta como pedagógico e construtivo. Ou seja, a figura de Renato Seabra (modelo, participante do concurso televisivo À Procura de um Sonho) tem levado à instalação de um curioso fenómeno transversal: seria preciso questionar os valores da fama promovidos pela nossa sociedade mediática...
Dir-se-ia que, para alguns, foi preciso a notícia de uma morte violenta para concluirem que talvez seja altura de questionarmos o mediatismo da fama com que todos os dias somos bombardeados... Ingenuidade ou hipocrisia? De facto, não importa. Muito para além do que aconteceu, ou não aconteceu, entre Carlos Castro e Renato Seabra, a ditadura dos famosos em que vivemos (ou nos obrigam a viver) é um fenómeno cultural cuja brutalidade há muito tempo importa desmontar — em boa verdade, há pelo menos uma década, desde que no ano 2000, através do Big Brother, a sociedade portuguesa começou a ser massacrada pela violência estética e moral dos reality shows.

3. Não se trata de supor, muito menos sugerir, que Carlos Castro morreu por causa dos ideólogos da fama — tal determinismo serviria apenas para prolongar o sórdido maniqueísmo com que esses mesmos ideólogos tratam os mais incautos cidadãos. Trata-se, isso sim, de lembrar que uma sociedade fundamentada na suposta transcendência dos famosos só pode ser uma sociedade cada vez mais desumanizada. Não é preciso morrer ninguém para o compreendermos — basta observar como se vive mal.