"O cinema é uma invenção sem futuro." — a frase de Louis Lumière citada em Le Mépris/O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard |
1. Numa procura na Net, sou conduzido à versão portuguesa do IMDB e, através desse site, a um texto sobre o filme Burlesque, publicado no blog Portal de Cinema. Cito o começo: "Os ilustres musicais Moulin Rouge! (2001), Chicago (2002) e Nine (2009) são raros exemplos de recentes musicais norte-americanos que realmente convenceram a crítica com a sua qualidade narrativa e musical."
2. De que falamos quando resumimos assim as opiniões da "crítica"?
3. Há dois ou três factos objectivos que vale a pena recordar. Entre muitas outras hipóteses, lembremos: a desencantada crítica de Nine publicada no New York Times; o indignado texto do Le Monde que considera o filme "insultuoso" em relação ao cinema italiano que nele se evoca; enfim, se me permitem, algumas linhas algo cépticas publicadas no Diário de Notícias e reproduzidas neste mesmo blog.
4. Não quero, no entanto, favorecer a ideia de que o problema é a discussão dos méritos ou deméritos de Nine (ou qualquer um dos títulos citados). Nem se trata de lançar qualquer anátema sobre o blog onde o texto surgiu — ninguém duvida que os seus responsáveis trabalham com empenho e dedicação, procurando celebrar o cinema e a sua diversidade. O que está em causa é uma ideologia "informativa" de que o referido blog é apenas um elo circunstancial.
5. O que prevalece (e, mais do que nunca, importa questionar) é essa noção pueril segundo a qual é possível resumir o labor da "crítica" através de generalizações deste género — "eles" disseram bem/mal do filme.
6. Ora, o ponto é que não há nenhuma razão conceptual, filosófica ou argumentativa que justifique tais generalizações. Mesmo quando um filme parece suscitar formas de unanimidade, existem sempre profundas diferenças de tom, perspectiva e linguagem no modo como se relacionam com o filme — e, mais do que isso, no modo como apostam em estabelecer uma relação com o seu leitor. A palavra decisiva é sempre essa: relação.
7. Um dos filmes que, em tempos recentes, gerou mais leituras realmente complexas e motivadoras foi A Rede Social. Leia-se, por exemplo, a crítica publicada pela Rolling Stone, a par da do Libération. Concluir apenas que ambas dizem "bem" do filme acaba por ser uma menorização das singularidades de pensamento de cada uma delas — e, no limite, das singularidades do próprio filme.
8. Sites como o IMDB (ou, por exemplo, o Rotten Tomatoes) passaram a desempenhar uma função normativa do pensamento do cinema e sobre o cinema — em boa verdade, obedecendo a uma ideologia da quantificação que, nas suas raízes, difere pouco da que, habitualmente, enquadra os números das audiências televisivas. Mesmo que possamos valorizar algumas componentes de tais sites (pela acumulação de informação mais ou menos útil, embora trabalhada segundo matrizes muito esquemáticas), quando tudo se resume a generalizações deste tipo, a começar pela caracterização da "crítica" como um rebanho, isso significa que já ninguém pensa as próprias diferenças que nos aproximam e separam — até porque é a partir de tais diferenças que qualquer diálogo inteligente se pode desenvolver.
9. Num espaço de intervenção sobre o cinema em que a crítica não passa de uma caução para proclamar que os filmes são "bons" ou "maus" (como se cada espectador não tivesse cabeça para pensar por si), então a cinefilia definha — em boa verdade, morre.
9. Num espaço de intervenção sobre o cinema em que a crítica não passa de uma caução para proclamar que os filmes são "bons" ou "maus" (como se cada espectador não tivesse cabeça para pensar por si), então a cinefilia definha — em boa verdade, morre.