sexta-feira, janeiro 15, 2010

"Nove": Fellini, ma non troppo

>>> OITO E MEIO (1963): o clássico "autiobiográfico" de Federico Fellini.
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NINE: um musical da Broadway, inspirado em Oito e Meio.
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NOVE: um filme de Rob Marshall, adaptando o musical Nine.
Este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 de Janeiro), com o título 'O musical e as heranças estéticas'.


Cruel lição cinéfila: não basta um filme chamar-se Nove para prolongar o Oito e Meio, de Fellini. Aliás, a cinefilia não é uma mera prática da citação, mas uma delicada arte de reconverter as heranças estéticas. Rob Marshall fica-se pela dramaturgia televisiva. Com razoável eficácia: coloca de um lado os exuberantes números de palco, do outro as cenas “intimistas” em torno da personagem do realizador (abençoado Daniel Day-Lewis, com talento a mais para uma câmara tão académica).
A produção é sofisticada e o elenco irrepreensível (não é todos os dias que se juntam nomes como Nicole Kidman, Judi Dench e Marion Cotillard), mas o filme confunde a aceleração da montagem com a estética do género: por vezes, tem a agilidade de um videoclip mas, globalmente, é mais uma oportunidade perdida para o chamado renascimento do musical. Aliás, convenhamos, Rob Marshall é um simpático equívoco, desde que o seu voluntarioso Chicago ganhou o Oscar de melhor filme de 2002, batendo, entre outros, Gangs de Nova Iorque, de Martin Scorsese: a proeza continua a ser uma das melhores anedotas da história dos Oscars.