sexta-feira, janeiro 28, 2011

Músicas diferentes
(com histórias semelhantes)


Não se trata de exemplos de reconhecimento tardio, mas sim de obras que em vida dos seus compositores não saíram nunca do seu espaço de trabalho, alheias ao público que há muito os aclamara como grandes figuras da música do seu tempo. Duas descobertas tardias, que correspondem a estreias póstumas, dominaram assim o concerto de ontem da Orquestra Gulbenkian, sob direcção da maestrina Simone Young (programa que repete hoje, pelas 19.00).

Com rascunho que remonta aos dias de escola, em inícios dos anos 30, o Duplo Concerto, para Violino, Viola corresponde a uma das primeiras composições de Benjamin Britten, trabalhada em conjunto com a Sinfonietta (que corresponde ao seu Op. 1 “oficial”), mas preterida em detrimento desta quando uma agenda lhe deu a possibilidade de estreia, em 1933. Já composto por essa altura, sofrendo apenas pequenas alterações, o concerto permaneceria na gaveta durante o resto da vida de Britten, a sua estreia tendo ocorrido apenas em 1997, mais de 20 anos depois da sua morte, numa edição Festival de Aldebrugh (que o compositor fundou na localidade onde viveu longos anos).

Destino semelhante, mas com história diferente viveu a Sinfonia Nº 9 de Schubert. Composta pouco mais de cem anos antes dos primeiros rascunhos do concerto de Britten, a obra, que assimila ecos do universo sinfónico Beethoveniano, destinava-se a ser estreada pela Gesellschaft der Musikfreunde, de Viena. Todavia, a complexidade e a considerável extensão da sinfonia revelaram ser uma fonte de problemas, a partitura acabando arrumada sem que as ideias nela escritas se transformassem em som... Até ao dia, anos depois da morte de Schubert, em que Robert Schumann descobre o manuscrito, a estreia fazendo-se finalmente em Março de 1839.

Com afinidades nas suas histórias, mas feitas de ideias musicais consideravelmente distintas, as duas obras (juntamente com a , Serenata para Tenor, Trompa e Cordas, op. 31, novamente de Britten, esta com data de 1943 e estreia logo no mesmo ano) preencheram o programa. Com uma expressividade física que lhe é característica, Simone Young sublinhou, com a Orquestra Gulbenkian, as diferenças e contrastes entre as obras que tinha pela frente (na serenata partilhando o palco com Christoph Prégardien, tenor e Jonathan Luxton, trompa e, no duplo concerto, com a violinista Ana Beatriz Manzanilla e o violetista Pedro Saglimbeni Muñoz). Pungente e luminosa no Schubert, atenta ao detalhe e às subtilezas dos pequenos acontecimentos no Britten (sobretudo na serenata), uma direcção competente juntou assim experiências distintas num palco comum.