domingo, novembro 07, 2010

Manuel Cintra Ferreira (1942- 2010)


Quantas vezes mais se poderá fechar a porta final de A Desaparecida, entregando a silhueta de John Wayne ao negro cósmico do ecrã? Para Manuel Cintra Ferreira, a resposta só podia ser: uma infinidade. Mais do que isso: a raiz da cinefilia era, para ele, a certeza incerta dessa repetição, sempre igual, quer dizer, sempre apaixonadamente diferente.
Há pouco mais de um mês, a projecção pública desse filme, na Cinemateca Portuguesa, foi a última vez que o Cintra foi ao cinema. Não por acaso, como é óbvio, o filme simbolizava todo um entendimento do cinema de que ele, enquanto crítico e programador era, de uma só vez, uma testemunha e um actor: John Ford como padrão narrativo e moral — sendo a narrativa o nobre exercício de uma moral — de uma idade do cinema em que os "criativos" do marketing ainda não tinham tomado o poder. Mas talvez seja importante lembrar que se tratava (e trata) de ir ao cinema. Mesmo não renegando todas as alternativas de que, hoje em dia, podemos desfrutar, a escuridão ritual da sala define todo um entendimento sagrado do cinema, dos filmes, do gosto de os conhecer e da possibilidade de os partilhar.
O Cintra morreu hoje, dia 7 de Novembro de 2010. Agora só podemos ir ao cinema e pensar que já o encontramos ali.