FOTO Alexandra Vosding
Christian Tetzlaff já tinha estado este ano na Fundação Gulbenkian, dirigindo um concerto que funcionou como lançamento do Festival Mozart. Regressou agora para uma admirável apresentação do conjunto integral das Sonatas e Partitas para violino solo de J. S. Bach.
O menos que se pode dizer é que raras vezes a solidão primordial do violino se expôs em tão depurada austeridade, em nada estranha a uma contagiante delicadeza lúdica. Evitando qualquer exibição gratuita de "versatilidade", Tetzlaff confrontou-nos com uma sonoridade que, para além do seu lugar central no edifício do Barroco musical, persiste como um desafio actualíssimo a qualquer modelo de narrativa — na sua inteligência activa, Bach remete-nos para a possibilidade de uma linguagem total, capaz de abarcar o mundo e refazê-lo numa ordem nova, certamente transcendente.
Ao mesmo tempo, tudo isso pressupõe um paradoxo tão cru quanto insuperável: na sua pose segura de fato preto, rodeado pelos tons castanhos do palco do Grande Auditório, Tetzlaff coloca-nos perante os ecos de um tempo outro em que, de facto, Bach se escutava noutros ambientes, da primeira metade do século XVIII, por certo assumindo poses diversas [a esse propósito, sugere-se a leitura do pedagógico texto de Rui Cabral Lopes no programa de sala].
Terão, por isso, alguma razão, nem que seja utópica, os espectadores que reagem com palmas breves e desordenadas em finais de andamentos intermédios... Não que se menospreze o valor dessa outra ordem, ritualizada, do(s) próprio(s) concerto(s). Mas, em tal excesso, pressentimos a ilusão inversa de nem sequer aplaudirmos, ficando pelo pudor de algum olhar ou gesto de cumplicidade com o músico — e aceitando, felizes, a descoberta da solidão para que Bach continua a convocar-nos.