quinta-feira, novembro 25, 2010

Sigmund Freud não fez greve


PIERRE BONNARD
Dois Cães numa Rua Deserta
c. 1894

É bem verdade que o imaginário tele-futebolístico contaminou todas as áreas do viver social. Assim, sempre que se referem resultados de jogos, emerge como uma espécie de castigo divino a noção de que os números são "justos" ou "injustos"... Coitadas das equipas que passam 89 minutos fechadas na sua área, mantendo a baliza inviolável, e conseguem um golito milagroso aos 90: estão fora da lei porque, dizem quase todos os comentadores, protagonizam uma injustiça!
Não admira que a greve seja tratada da mesma maneira: de todas as áreas políticas, os actores sociais assumem-se como vencedores de um mero processo de quantificações. O que pressupõe uma forma trágica de esvaziar qualquer confronto político: imagina-se a transformação social a partir de uma guerra pueril em que cada um acena, heroicamente, com a milagrosa justiça do seu número — "O meu é maior que o teu!" (Freud explica).
Entretanto, desenha-se a hipótese de um confronto militar entre as duas Coreias, capaz de fazer explodir o planeta... Ainda bem: eis uma boa nota de rodapé, para depois do apocalipse benfiquista.