domingo, outubro 10, 2010

Para regressar a Carl Orff


Entre as obras do século XX que alcançaram o sucesso global poucas devem ter já conhecido tantas gravações em disco como Carmina Burana, a cantata cénica que Carl Orff criou em meados dos anos 30 a partir de poemas medievais encontrados em inícios do século XIX numa abadia na Baviera. Poucas obras dividem também as opiniões como esta o faz, dos que a tomam como um exemplo do que mais gostam na música clássica aos que nela apontam exactamente o contrário. Uma obra nada unânime (até mesmo na avaliação da forma, até hoje num debate sem conclusões, sobre como o poder na Alemanha de então se terá eventualmente relacionado tanto com a peça como com o compositor), Carmina Burana tem nova gravação em disco (Deutsche Grammophon), dirigida pelo inglês Daniel Harding, à frente do Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera e contando com as vozes solistas de Patricia Petibon, Hans-Wener Bunz e Christian Gerhaher.

Estreada em 1937 Carmina Burana representou um momento de renascimento linguístico na música de Carl Orff (que na altura repartia já parte significativa do seu tempo com a criação de um novo sistema de ensino musical). A obra cruza um apelo da memória na evocação de aqualidades antigas (não apenas nos poemas mas na sugestão dos próprios cânticos e canções folk) com uma linguagem na qual Carl Orff manifestou um evidente interesse pela exploração do ritmo, dotando a música de uma orquestração vibrante em cor e músculo. A leitura promovida por Daniel Harding é das mais interessantes que têm chegado a disco nos últimos anos. Contida e directa, evita excessos operáticos sem que tal macule a pungente presença do coro ou o necessário protagonismo vocal dos solistas. A abordagem ao corpo rítmico da composição é igualmente feliz, vincando as qualidades que activam, num espaço moderno, os ecos do que de antigo Carl Orff certamente terá pretendido evocar. Muitas das marcas de identidade que o compositor experimenta nesta obra podem ser identificadas em muitas das suas criações subsequentes. A sua (re)descoberta é contudo missão quase impossível quando, consultando um escaparate de uma qualquer loja de discos, é raro vermos gravações de peças, além de diversas leituras de Carmina Burana, na zona dedicada a Carl Orff… Vale contudo (re)descobrir, além de Catulli Carmina e Trionfo do Afrodite (que, com Carmina Burana completam o tríptico Trionfi), algumas das suas óperas como, por exemplo, a recentemente reeditada Der Mond (EMI Classics) ou a peça de teatro Der Bernauerin (edição alemã em DVD em 2009).

Entrevista na edição de hoje do DN com o maestro Daniel Harding sobre esta gravação, a obra e o compositor. Para ler aqui.