domingo, outubro 10, 2010

Noite checa em Berlim


Um concerto na Philarmonie – a sede da Orquestra Filarmónica de Berlim – pode ser rotina para um berlinense, mas é um acontecimento para quem, de passagem pela cidade, ali passa um serão. A chegada ao edifício começa pelo reencontro com uma arquitectura convidativa que, logo no foyer, nos deixa a impressão de estar numa espécie de catedral moderna onde a fé se projecta na música. Há toda uma ritualização no pré-concerto que se desenrola na hora que o antecede, em ritmo tranquilo e pose informal. Do deixar dos casacos nos bengaleiros que se estendem ao longo de várias paredes do piso térreo e superior, da passagem pela loja de discos (que arruma por maestros ao serviço da Filarmónica de Berlim parte da oferta em exposição), da visita a um dos vários pequenos bares (e recomenda-se o bretzl da casa). Ao soar de um discreto gong as várias portas de acesso aos diversos sectores da enorme sala abrem-se. Cada qual entra, procura o seu lugar, senta-se e aguarda…

Naquela noite o programa apontava azimutes à música checa. Na primeira parte Três Fragmentos da ópera Julietta, de Bohuslav Martinú (1890-1959), com a mezzo soprano Magdalena Kózena como principal figura de cartaz. Na segunda, uma Sinfonia Nº 7 de Dvorák. No centro da sala a Orquestra Filarmónica de Berlim. E, a dirigi-la, o maestro Thomas Netopil (em substituição de Sir Charles Makerras). Na verdade, coube ao recentemente falecido maestro inglês a primeira gravação da descoberta, há poucos anos, da versão de concerto Três Fragmentos da Ópera Julietta, cuja partitura para orquestra se julgava perdida, cohecendo-se apenas uma versão para piano. O que se viu e ouviu na Philarmonie há pouco mais de uma semana não foi senão a recriação ao vivo desta obra, praticamente com o elenco que Mackerras juntou para a gravação na Supraphon (apenas com o baixo René Schirrer no lugar que em disco coube a Nicolas Testé). Justamente aplaudida no final, esta é uma música rica em acontecimentos e contrastes, incorporando mesmo partes faladas entre regiões orquestrais e cantadas. Contudo a soberba interpretação da Sinfonia Nº 7 de Dvorák, na segunda parte do concerto, “roubou” o protagonismo da noite às estrelas do cartaz. Longe de exuberante, mas entregue ao poder cinemático desta magnífica obra de Dvorák, o maestro Netopil tomou uma bem ensaiada orquestra nas mãos e arrebatou a atenção de toda a sala. Aos 35 anos, este maestro checo parece ser um nome a ter em conta em cenas dos próximos capítulos.