domingo, outubro 10, 2010

Televisão portuguesa: entre futebol e "Big Brother"


Na televisão portuguesa, vê-se futebol, evoca-se a República e recomeça o Big Brother. Quase tudo perante o magno silêncio da nossa classe política — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Outubro), com o título 'A República do Big Brother'.

Em televisão, o futebol passou a ser vivido de forma absolutamente irracional. Veja-se esse bizarro acontecimento transversal que foi a delirante dramatização do empate do F. C. Porto em Guimarães. É certo que os portistas jogaram no terreno de uma das melhores equipas do momento. É também verdade que, em apenas sete jornadas, têm um avanço de sete pontos sobre os segundos classificados. E, no entanto, parecia uma catástrofe mais inquietante que todas as crises orçamentais...
Seria apenas uma anedota infeliz, não se desse o caso de favorecer uma relação com os acontecimentos que promove, todos os dias, o esvaziamento de qualquer memória. Veja-se, por exemplo, o que se passa com José Mourinho. Cada vez que o Real Madrid empata, há sempre uma avalancha de notícias (?) para lembrar tudo o que ele tem de provar... Mourinho, que possui a enorme virtude de há muito ter perdido a paciência com a mediocridade jornalística, já veio perguntar se não basta ter ganho duas Ligas dos Campeões: só começa a contar a partir da terceira?
Nos minutos finais da última edição do programa Prós & Contras (RTP1), o historiador Fernando Catroga [foto] punha o dedo na mesma ferida, sublinhando que as comemorações dos 100 anos da República são importantes, mas não basta ter uma memória da política: é preciso construir uma política da memória. A vitalidade da relação com a nossa identidade não depende da mera acumulação de referências; é preciso saber como lidamos com essas referências, como circulam, como as pensamos e damos a pensar.
Neste contexto, a TVI reabriu a chaga do Big Brother (em versão Casa dos Segredos), relançando esse método em que todas as memórias se apagam: cada ser humano surge reduzido à obscenidade crua, e infinitamente cruel, de não ser mais do que um incidente registado e reproduzido pelas câmaras. Num momento histórico em que as comemorações da República celebram o civismo como elemento fulcral do tecido social, espero que os políticos do nosso país tenham alguma coisa a dizer sobre o Big Brother. A República agradece.