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Pierre Boulez acaba de editar num mesmo disco as duas peças em falta num ciclo da integral da obra de Mahler que ao longo dos últimos anos tem vindo a construir, dirigindo várias orquestras, no catálogo da Deutsche Grammophon. Com a Cleveland Orchestra, e contando com as vozes de Magdalena Kozená e Christian Gerhaher junta neste disco o ciclo de canções
Des Knaben Wunderhorn ao
Adagio da
Sinfonia Nº 10, que o compositor deixou incompleta. É uma gravação notável, a direcção de Boulez acentuando o carácter luminoso no apontar dos elementos populares que Mahler convocou a estas canções, revelando depois uma leitura intensa e precisa ao abordar o A
dagio da
Sinfonia Nº 10.
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Boulez é claro nas ideias sobre a música de Mahler, em particular estas duas obras, numa útil entrevista que podemos ler no
booklet desta edição. Sobre as relações com a música popular que habitam na medula de
Des Knaben Wunderhorn diz que “se enfatizar excessivamente os elementos populares, folk, já perdemos a batalha”. Boulez esclarece então que “Mahler transforma estas peças do mundo da trivialidade, e fá-lo com sarcasmo e ironia, o que muito difício de veicular musicalmente”. O maestro (e compositor) recorda ainda que Mahler abordou estes elementos como fonte de inspiração várias vezes ao longo da sua vida mas que “nas suas sinfonias tardias em particular trata esta matéria prima do mundo da música folk com um sentido de distância crítica”. Sobre a
Sinfonia Nº 10 fica claro, ao interpretar apenas o adagio, que não partilha entusiasmo pelos exercíos de reconstrução que outros já gravaram em disco. “Essas tentativas são pouco satisfatórias”, deixa claro. Boulez tem um fac-simile dos esboços deixados por Mahler. E diz: “Muito são apenas esboços numa forma muito rudimentar, tornando impossível tirar quaisquer conclusões sobre as texturas polifónicas que tencionava procurar. Quando comparadas com a complexidade da Nona, estas reconstruções parece-me muito pobres”, conclui.