Na história moderna do cinema francês, Claude Chabrol emerge como uma das personagens mais ambivalentes (como, por certo, ele gostaria de ser reconhecido): por um lado, o seu nome é indissociável das convulsões da Nova Vaga, já que, a par de Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette e Eric Rohmer (com Rohmer, em 1957, escreveu um livro de referência sobre Alfred Hitchcock), Chabrol foi um dos autores a desafiar de forma contundente o academismo da tradição francesa; por outro lado, a sua evolução conduziu-o, não para o exterior da indústria, mas sim para um compromisso com as rotinas da produção por géneros que ele sabia garantir com um misto de aplicação e sarcasmo.
Ele foi o retratista implacável da hipocrisia conjugal — lembremos esse objecto de cortante irrisão que é A Mulher Infiel (1969). E soube como poucos explorar as nuances do melodrama dito de reconstituição histórica — Violette Nozière (1978) é uma referência incontornável, tanto mais que inaugura a sua longa colaboração (sete filmes) com Isabelle Huppert. Enfim, foi também um explorador implacável das sombras e máscaras do erotismo — O Inferno (1994), com Emmanuelle Béart, pode ser tomado como um símbolo corrosivo de tal démarche.
Três títulos, porventura menos conhecidos, poderão ajudar a sublinhar as singularidades da sua obra:
* REQUIEM PARA UM DESCONHECIDO (1969) — extraordinária viagem pela mente de um homem que quer vingar a morte do seu filho por atropelamento: Chabrol consegue superar todas as fronteiras morais, expondo, de modo descarnado, a violência visceral da natureza humana; com Michel Duchaussoy numa composição absolutamente genial.
* ALICE (1977) — Alice é Sylvia Kristel, no auge da sua fama como intérprete de Emmanuelle: filmando-a como uma espécie de fantasma da sua própria fama, Chabrol consegue um policial bizarro, perverso e festivo como um conto de fadas.
* O CAVALO DO ORGULHO (1980) — uma história da Bretanha do começo do século XX que, nas mãos de um cineasta vulgar, poderia ficar enredada nas convenções do retrato "etnográfico": sob o olhar de Chabrol, emerge como uma espantosa desmontagem dos mecanismos mais radicais do poder familiar e social e, em particular, da dominação das mulheres pelos homens.
* * * * *
Claude Chabrol faleceu a 12 de Setembro, em Paris — contava 80 anos. A sua herança confunde-se, afinal, com um princípio de trabalho que ele tanto admirava no seu mestre Hitchcock: o de nunca abdicar de uma visão eminentemente pessoal, ao mesmo tempo aceitando, sem preconceito nem ressentimento, as regras decorrentes dos mais populares géneros cinematográficos. Tal disponibilidade ajudará a explicar os altos e baixos da filmografia chabroliana; mas reflecte a sua continuada paixão pelo cinema como fenómeno enraizado na cultura popular — não por acaso, sendo um notável director de actores, ele foi também um feroz adversário do populismo que apenas sabe enaltecer os "efeitos especiais".
>>> Obituário no jornal Le Monde.
>>> Claude Chabrol em Senses of Cinema.
>>> Catherine Ceylac entrevista Claude Chabrol (France 2, 2009).
Ele foi o retratista implacável da hipocrisia conjugal — lembremos esse objecto de cortante irrisão que é A Mulher Infiel (1969). E soube como poucos explorar as nuances do melodrama dito de reconstituição histórica — Violette Nozière (1978) é uma referência incontornável, tanto mais que inaugura a sua longa colaboração (sete filmes) com Isabelle Huppert. Enfim, foi também um explorador implacável das sombras e máscaras do erotismo — O Inferno (1994), com Emmanuelle Béart, pode ser tomado como um símbolo corrosivo de tal démarche.
Três títulos, porventura menos conhecidos, poderão ajudar a sublinhar as singularidades da sua obra:
* REQUIEM PARA UM DESCONHECIDO (1969) — extraordinária viagem pela mente de um homem que quer vingar a morte do seu filho por atropelamento: Chabrol consegue superar todas as fronteiras morais, expondo, de modo descarnado, a violência visceral da natureza humana; com Michel Duchaussoy numa composição absolutamente genial.
* ALICE (1977) — Alice é Sylvia Kristel, no auge da sua fama como intérprete de Emmanuelle: filmando-a como uma espécie de fantasma da sua própria fama, Chabrol consegue um policial bizarro, perverso e festivo como um conto de fadas.
* O CAVALO DO ORGULHO (1980) — uma história da Bretanha do começo do século XX que, nas mãos de um cineasta vulgar, poderia ficar enredada nas convenções do retrato "etnográfico": sob o olhar de Chabrol, emerge como uma espantosa desmontagem dos mecanismos mais radicais do poder familiar e social e, em particular, da dominação das mulheres pelos homens.
Claude Chabrol faleceu a 12 de Setembro, em Paris — contava 80 anos. A sua herança confunde-se, afinal, com um princípio de trabalho que ele tanto admirava no seu mestre Hitchcock: o de nunca abdicar de uma visão eminentemente pessoal, ao mesmo tempo aceitando, sem preconceito nem ressentimento, as regras decorrentes dos mais populares géneros cinematográficos. Tal disponibilidade ajudará a explicar os altos e baixos da filmografia chabroliana; mas reflecte a sua continuada paixão pelo cinema como fenómeno enraizado na cultura popular — não por acaso, sendo um notável director de actores, ele foi também um feroz adversário do populismo que apenas sabe enaltecer os "efeitos especiais".
>>> Obituário no jornal Le Monde.
>>> Claude Chabrol em Senses of Cinema.
>>> Catherine Ceylac entrevista Claude Chabrol (France 2, 2009).