quarta-feira, setembro 15, 2010

Chabrol versus Chabrol

Ainda as memórias de Claude Chabrol, falecido no dia passado dia 12 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 de Setembro), com o título 'As máscaras do Doutor Chabrol'.

A Nova Vaga acabou há muito tempo. E pode dizer-se que, para Claude Chabrol, acabou sem drama, contornando todas as nostalgias morais, cinéfilas ou jornalísticas. Assim, desde muito cedo, ele foi, tal como François Truffaut, um cineasta disponível para trabalhar no interior dos modelos correntes da indústria, valorizando a simples possibilidade de continuar a contar histórias enraizadas no imaginário popular: O Tigre Ataca, Marie-Chantal contra o Doutor Kha e O Tigre Perfuma-se com Dinamite, exercícios policiais sempre à beira do paródico, são exemplos dessa atitude ao longo da década de 60, tanto mais desconcertantes quanto precedem alguns dos seus trabalhos mais depurados, implacáveis na célebre desmontagem do universo burguês, incluindo os fabulosos A Mulher Infiel e Requiem para um Desconhecido (ambos de 1969).
Tal visão de perversa duplicidade permaneceu até final, como o demonstra esse soberbo exercício de sarcasmo romântico que é A Rapariga Cortada em Dois (2007), o último dos seus filmes a chegar, até agora, ao mercado português. Em boa verdade, Chabrol encenava os enigmas que podem aproximar dois seres até ao limite da mútua destruição, isto é, filmava a possibilidade do amor. E descobria sempre que, neste mundo de muitas máscaras, o amor não passa do equívoco supremo.