PIERRE BONNARD
O Camarote
1908
Como é que o jornalismo televisivo lida com a actualidade política? Eis dois exemplos bem diferentes -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Junho), com o título 'Variações jornalísticas'.
1. Afinal, é possível fazer um jornalismo televisivo que recuse a facilidade da caricatura, interessado em tudo o que está para além da superfície das coisas, despertando-nos para a sua complexidade, sem receio de assumir os pontos de vista inerentes a um genuíno trabalho de pesquisa. Exemplo próximo: Mandela – Um Homem Bom (“Reportagem Especial”, SIC), um retrato político e humano, humanamente político, assinado por Cândida Pinto.
2. Alguns jornalistas televisivos (e das rádios) especializaram-se num novo tipo de desporto: esperar os membros do Governo, em especial o primeiro-ministro, à saída do hemiciclo da Assembleia da República, apontando-lhes uma dúzia de microfones e bombardeando-os com insinuações disfarçadas de perguntas, mais não procurando do que gerar irritação, descontrolo e reacções de desespero. A situação é tanto mais vergonhosa quanto ainda temos (teremos?...) valores sociais que nos garantem que nem mesmo um suspeito de crimes horrendos pode, ou deve, ser questionado naquele estilo de violência provocatória. Seremos uma sociedade mais democrática por vermos o primeiro-ministro sujeito a tais mimos? Ou ainda: informar democraticamente passou a ser entendido como um jogo pueril cujo único objectivo é conseguir que os políticos percam a paciência?
A primeira responsabilidade deste estado de coisas pertence a sucessivos Governos que já há muito deviam ter feito saber, oficialmente e sem ambiguidades, que os seus membros não estão para se sujeitar a semelhantes formas de humilhação. A segunda responsabilidade é da classe política que, com poucas excepções, tolera esta “caça ao escândalo” cujo efeito corrente é a desqualificação da nobre arte de fazer política (alguns, mais ingénuos ou apenas banalmente hipócritas, julgar-se-ão imunes, considerando que é bom para “degradar” a imagem do Governo...). Enfim, a terceira e mais vital responsabilidade pertence à própria classe jornalística que se tem mostrado incapaz de por fim a práticas que, todos os dias, apenas servem para manchar a sua dignidade e corroer um pouco mais o seu prestígio.