A televisão é uma máquina de banalização e reconversão dos dados do mundo à nossa volta, quer dizer, uma forma específica, e poderosíssima, de cultura — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 de Fevereiro), com o título 'A "culpa" de Rui Patrício'.
1. O populismo televisivo favorece uma grosseira distribuição de “culpas”. No futebol, por exemplo. Coitado do Rui Patrício: deixa entrar um golo infeliz e logo se instala um clima de “tribunal popular”. Como se ele fosse a excepção de uma equipa a jogar o mais radioso futebol do mundo... Como se, enfim, já não fosse possível aceitar que uma bola pode bater de forma imprevisível na relva. Quando as coisas chegam a este delírio purificador, corremos o risco de menosprezar, não apenas o gosto do futebol, mas a nossa própria inteligência.
2. Terminou, na RTP2, a segunda época de Mad Men (o que quer dizer que esperamos, com ansiedade, a estreia da terceira). No seu lugar reapareceu Irmãos e Irmãs (Brothers and Sisters), agora na quarta temporada. Com um excelente elenco (Sally Field, Rachel Griffiths, Rob Lowe, Calista Flockhart, Patricia Wettig, etc.), trata-se de um esclarecedor exemplo das virtudes e limites de uma série tradicional, explorando os labirintos afectivos de uma família. Por um lado, há aqui uma lógica psicológica enraizada na tradição melodramática de Hollywood, em particular no tratamento das personagens femininas; por outro lado, a “obrigação” de continuar a série leva à criação de relações e peripécias mais ou menos insólitas, nem sempre favorecendo a sua consistência dramática. Em qualquer caso, este é um produto televisivo que se demarca dos mais frequentes clichés moralistas.
3. A televisão criou formas específicas de voyeurismo da cena política. Subitamente, ganha foros de notícia o confronto verbal de dois deputados “cinéfilos”, em plena Assembleia da República: um evoca Avatar para denunciar as fantasias do seu opositor; o outro responde, sugerindo que o primeiro está como o protagonista de Nas Nuvens, viajando muito, mas não chegando a lado nenhum. Num país tão incapaz de defender o seu próprio cinema como produto popular (com acontece em Espanha ou França), faz sentido que os filmes sejam apenas isto: instrumento banal do chiste político.
1. O populismo televisivo favorece uma grosseira distribuição de “culpas”. No futebol, por exemplo. Coitado do Rui Patrício: deixa entrar um golo infeliz e logo se instala um clima de “tribunal popular”. Como se ele fosse a excepção de uma equipa a jogar o mais radioso futebol do mundo... Como se, enfim, já não fosse possível aceitar que uma bola pode bater de forma imprevisível na relva. Quando as coisas chegam a este delírio purificador, corremos o risco de menosprezar, não apenas o gosto do futebol, mas a nossa própria inteligência.
2. Terminou, na RTP2, a segunda época de Mad Men (o que quer dizer que esperamos, com ansiedade, a estreia da terceira). No seu lugar reapareceu Irmãos e Irmãs (Brothers and Sisters), agora na quarta temporada. Com um excelente elenco (Sally Field, Rachel Griffiths, Rob Lowe, Calista Flockhart, Patricia Wettig, etc.), trata-se de um esclarecedor exemplo das virtudes e limites de uma série tradicional, explorando os labirintos afectivos de uma família. Por um lado, há aqui uma lógica psicológica enraizada na tradição melodramática de Hollywood, em particular no tratamento das personagens femininas; por outro lado, a “obrigação” de continuar a série leva à criação de relações e peripécias mais ou menos insólitas, nem sempre favorecendo a sua consistência dramática. Em qualquer caso, este é um produto televisivo que se demarca dos mais frequentes clichés moralistas.
3. A televisão criou formas específicas de voyeurismo da cena política. Subitamente, ganha foros de notícia o confronto verbal de dois deputados “cinéfilos”, em plena Assembleia da República: um evoca Avatar para denunciar as fantasias do seu opositor; o outro responde, sugerindo que o primeiro está como o protagonista de Nas Nuvens, viajando muito, mas não chegando a lado nenhum. Num país tão incapaz de defender o seu próprio cinema como produto popular (com acontece em Espanha ou França), faz sentido que os filmes sejam apenas isto: instrumento banal do chiste político.