sábado, fevereiro 13, 2010

Berlinale, 60 anos

Está a decorrer, até 21 de Fevereiro, a 60ª edição do Festival de Berlim — este texto evoca algumas memórias históricas e foi publicado no Diário de Notícias (11 de Fevereiro), com o título 'Do mercado ao peso da história'.

Para o Mercado Europeu de Cinema, integrado na edição de 2010 do Festival de Berlim, estão inscritas mais de 400 companhias produtoras e cerca de 1300 compradores (exibidores, televisões, etc.). Quer isto dizer que a Berlinale não se joga apenas no território do prestígio cinematográfico ou artístico, apostando forte em marcar presença num contexto global em que os outros grandes protagonistas são Cannes e a Califórnia (American Film Market, em Santa Monica).
Em todo o caso, o certame possui um património histórico cujo simbolismo está longe de ser banal, continuando a pesar de modo decisivo na sua dinâmica. Na verdade, em tempos de Guerra Fria, o Festival de Berlim funcionou também como uma zona “neutra”, não exactamente excluindo os diferendos políticos, mas abrindo-se às muitas diferenças da produção europeia (e internacional), de acordo com uma lógica ecuménica e humanista. Apoteose inesquecível dessa lógica foi a retrospectiva de cinema da Alemanha de Leste, realizada na edição de 1990 [cartaz], cerca de três meses depois da queda do Muro.
Escusado será dizer que nada disso é alheio a uma pulsão mais funda que se sente no corpo vivo da cidade, cruzando as memórias trágicas e o desejo de futuro. O Zoo Palast, por exemplo, sala emblemática na história do certame, está implantado na Breitscheidplatz [foto em baixo], espaço simbólico por excelência onde as ruínas de uma belíssima igreja (Gedächtniskirche), em parte destruída pelos bombardeamentos de 1943, foram preservadas como monumento. De uma maneira ou de outra, o Festival de Berlim é um acontecimento que faz sentir aos seus espectadores o peso da história e, em particular, a necessidade de lidar com todas as suas convulsões e contradições.