É interessante recordar que há toda uma tradição cinematográfica francesa — centrada na obra de Eric Rohmer — que trata as palavras como matéria fulcral das relações humanas, mesmo quando o seu tema é o indizível. O filme Consultórios de Deus (título original: Les Bureaux de Dieu) não será um produto directo de tal tradição, pelo menos enquanto tradição romanesca, mas não deixa de integrar as palavras como elemento decisivo de uma conjuntura precisa. Dito de outro modo: num consultório de planeamento familiar — onde se trata de sexualidades, métodos contraceptivos e interrupções voluntárias da gravidez, o que há mais são... palavras. E o filme é sobre isso mesmo: o modo como se fala daquilo que, não poucas vezes, por razões sociais, culturais ou especificamente familiares, é objecto de resistência e recalcamento. Dirigindo um magnífico leque de actrizes (Nathalie Baye, Nicole Garcia, Isabelle Carré, Béatrice Dalle, etc.), Claire Simon consegue, além do mais, criar um tom de ambiguidade documental através do qual se reforça a actualidade e a pertinência das questões abordadas.
>>> Quinzena dos Realizadores (Cannes 2008): Les Bureaux de Dieu.