domingo, fevereiro 28, 2010

Cinema no Grande Auditório

N.G.: A relação da música com o cinema é na verdade anterior ao dia em que Al Jolson se fez ouvir no grande ecrã, em The Jazz Singer. Esta foi, de resto, uma das mais frutuosas relações entre artes ao longo de todo o século XX, juntando contribuições de nomes como Shostakovich, Prokofiev, Copland, Bernstein, Glass, entre tantos outros mais… O que a Orquestra Gulbenkian nos mostrou, em duas noites consecutivas (sexta e sábado) foi, sob a direcção de Lawrence Foster, um olhar adiante das mais “canónicas” histórias de colaboração entre os nomes que habitualmente escutamos nas salas de concerto e o cinema. Da memória clássica de Hollywood escutaram-se (em grande parte dos casos em suites nascidas das bandas sonoras originais), obras assinadas por compositores que conheceram no cinema destino central de parte significativa da sua obra. O lirismo da música de Lili, de Bronislaw Kaper, o assombro de Sunset Boulevard, por Franz Waxman, o paisagismo e dinamismo do Oeste em The Alamo, de Dimitri Tomkin, ou o tom épico que acompanhou as aventuras de Robin Hood, sob partitura de Erich Korngold. Sob direcção viva, dinâmica, a orquestra quase convocou imagens (e certamente evocou memórias dos filmes revisitados) na segunda parte de um programa que começou ao som de uma música de um tempo em que as imagens ainda não se criavam em movimento (o Concerto em si bemol Maior, para violino e violoncelo, cordas e baixo contínuo, RV, 547 de Vivaldi), mas que passou depois pela música de Miklós Rósza (que também compôs para o cinema) e de Saint-Saëns, aqui numa espantosa La Muse et le Poète, peça que assinou depois de terminada a sua primeira (e única) aventura para o cinema. Destaque-se ainda, na primeira parte, a segura contribuição dos solistas – Pinchas Zuckerman (violino) e Amanda Forsyth (violoncelo) – que juntaram importantes personagens a um filme que soube bem ouvir.

J.L.: Há uma ponte simbólica — mas também formal e conceptual — que liga a música de cinema (e, em particular, as bandas sonoras de Hollywood) ao mundo tradicional da sala de concertos. A proposta da Orquestra Gulbenkian nestes dois concertos foi tanto mais interessante quanto sublinhou, implicitamente, a importância da idade clássica do cinema americano. Entre o filme mais antigo, As Aventuras de Robin dos Bosques, e o mais recente, The Alamo, havia uma distância de pouco mais de duas décadas (1938-1960), afinal as que balizam um cinema que vai da plena integração do som (e da cor) até ao desmembramento das estruturas fundadoras dos grandes estúdios e à abertura da concorrência com a televisão. Dos temas apresentados, curiosamente, apenas Lili (1953) pertence ao domínio específido do musical, surgindo Sunset Boulevard (1950) como um espelho cruel de Hollywood, rasgando as primeiras vias para uma nostalgia habitada por um profundo sentimento trágico.