Chegou ao mercado do DVD uma excelente edição de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, símbolo de muitas memórias cinematográficas que estão a ser marginalizadas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Dezembro), com o título 'Quem (ainda) tem medo de Virginia Woolf?'.
Revi há dias Quem Tem Medo de Virginia Woolf? através da magnífica edição em DVD lançada no mercado português. Produzido em 1966, contém uma das mais célebres interpretações do par Elizabeth Taylor/Richard Burton, admiravelmente dirigido por Mike Nichols. Ao adaptar a peça de Edward Albee, Nichols consumava uma “transferência” exemplar: na altura já consagrado encenador da Broadway, estreava-se como realizador de cinema através de um texto que lhe permitia “prolongar” o seu saber teatral, sem deixar de experimentar uma mise en scène que nunca abdicava da sua especificidade cinematográfica.
Ao rever esta cruel introspecção de um casal [capa DVD], consciente da distância que nos separa da época em que o filme foi lançado, não pude deixar de imaginar o que seria Quem Tem Medo de Virginia Woolf? programado, agora, no horário nobre de um qualquer canal generalista. Hipótese delirante: as televisões marginalizaram o cinema de forma tão sistemática que ninguém está à espera que, por estes dias, sejam acometidas de uma qualquer crise de consciência (boa ou má). Mas hipótese sobre a qual, tendo em conta a ideologia televisiva dominante, vale a pena especular um pouco.
Não tenhamos dúvidas que uma das “razões” de fundo que muitos programadores evocariam contra o filme seria o facto de ser rodado a preto e branco (em espantosas imagens que valeram um Oscar ao director de fotografia Haskell Wexler). A esse propósito, importa dizer que o novo-riquismo com que as televisões impuseram a cor (não apenas entre nós, como é óbvio) tem contribuído para manter muitos espectadores numa bizarra ignorância histórica. Porquê? Porque cada espectador que encara a fotografia a preto como coisa “menor”, ou até “caricata”, está a desconhecer uma boa metade de toda a história da arte cinematográfica. Que diríamos se alguém tentasse convencer um leitor de que não vale a pena ler Balzac ou Tolstoi porque, quando eles escreveram, a impressão a laser ainda não tinha sido inventada?
Depois, há o inevitável peso da palavra. Quem Tem Medo de Virginia Woolf? é um filme [cartaz] em que as personagens falam, falam, falam… e não param de falar (e isto durante mais de duas horas). Ora, faz parte do cliché televisivo dizer que o espectador quer acção, acção, acção… e não palavras. Perante tão patética visão, é sempre inútil recordar o essencial: a acção são também… as palavras; e há mais acção em Quem Tem Medo de Virginia Woolf? do que em muitos filmes pueris que em duas imagens apresentam três explosões. Tal mentalidade parece apostada em recalcar as matrizes de muitas formas de fazer televisão e, em particular, a sua utilização grosseira das palavras. Os debates com muita gente aos gritos, sem que se consiga entender o que cada um diz, são feitos de quê? E as telenovelas, não são também um caso de proliferação de palavras mais ou menos estereotipadas?
Alguém, por certo, poderá defender que os diálogos das telenovelas batem aos pontos a escrita de Edward Albee. E isso, confesso, gostava de ver: os paladinos da “cultura popular” televisiva virem explicar-nos que andávamos todos enganados. Entretanto, caro leitor, não se assuste: não vai ligar o seu televisor às nove da noite e dar de caras com o filme de Mike Nichols. O mundo não está assim tão interessante.
Revi há dias Quem Tem Medo de Virginia Woolf? através da magnífica edição em DVD lançada no mercado português. Produzido em 1966, contém uma das mais célebres interpretações do par Elizabeth Taylor/Richard Burton, admiravelmente dirigido por Mike Nichols. Ao adaptar a peça de Edward Albee, Nichols consumava uma “transferência” exemplar: na altura já consagrado encenador da Broadway, estreava-se como realizador de cinema através de um texto que lhe permitia “prolongar” o seu saber teatral, sem deixar de experimentar uma mise en scène que nunca abdicava da sua especificidade cinematográfica.
Ao rever esta cruel introspecção de um casal [capa DVD], consciente da distância que nos separa da época em que o filme foi lançado, não pude deixar de imaginar o que seria Quem Tem Medo de Virginia Woolf? programado, agora, no horário nobre de um qualquer canal generalista. Hipótese delirante: as televisões marginalizaram o cinema de forma tão sistemática que ninguém está à espera que, por estes dias, sejam acometidas de uma qualquer crise de consciência (boa ou má). Mas hipótese sobre a qual, tendo em conta a ideologia televisiva dominante, vale a pena especular um pouco.
Não tenhamos dúvidas que uma das “razões” de fundo que muitos programadores evocariam contra o filme seria o facto de ser rodado a preto e branco (em espantosas imagens que valeram um Oscar ao director de fotografia Haskell Wexler). A esse propósito, importa dizer que o novo-riquismo com que as televisões impuseram a cor (não apenas entre nós, como é óbvio) tem contribuído para manter muitos espectadores numa bizarra ignorância histórica. Porquê? Porque cada espectador que encara a fotografia a preto como coisa “menor”, ou até “caricata”, está a desconhecer uma boa metade de toda a história da arte cinematográfica. Que diríamos se alguém tentasse convencer um leitor de que não vale a pena ler Balzac ou Tolstoi porque, quando eles escreveram, a impressão a laser ainda não tinha sido inventada?
Depois, há o inevitável peso da palavra. Quem Tem Medo de Virginia Woolf? é um filme [cartaz] em que as personagens falam, falam, falam… e não param de falar (e isto durante mais de duas horas). Ora, faz parte do cliché televisivo dizer que o espectador quer acção, acção, acção… e não palavras. Perante tão patética visão, é sempre inútil recordar o essencial: a acção são também… as palavras; e há mais acção em Quem Tem Medo de Virginia Woolf? do que em muitos filmes pueris que em duas imagens apresentam três explosões. Tal mentalidade parece apostada em recalcar as matrizes de muitas formas de fazer televisão e, em particular, a sua utilização grosseira das palavras. Os debates com muita gente aos gritos, sem que se consiga entender o que cada um diz, são feitos de quê? E as telenovelas, não são também um caso de proliferação de palavras mais ou menos estereotipadas?
Alguém, por certo, poderá defender que os diálogos das telenovelas batem aos pontos a escrita de Edward Albee. E isso, confesso, gostava de ver: os paladinos da “cultura popular” televisiva virem explicar-nos que andávamos todos enganados. Entretanto, caro leitor, não se assuste: não vai ligar o seu televisor às nove da noite e dar de caras com o filme de Mike Nichols. O mundo não está assim tão interessante.