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Eis mais um episódio típico do nosso mundo saturado de imagens, ou seja, uma ilustração desse fenómeno de cansaço dos olhares que é o
revivalismo iconográfico, porventura erótico (se é que o erotismo pode ser revivalista...): a nudez de Eva Green — foto-grafada por Ricardo Tinelli para a edição de Dezembro da revista britânica
Tatler — "repete" a nudez de Charlotte Rampling, em 1973, numa imagem lendária com assinatura de
Helmut Newton.
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De facto, nada se repete: tudo se transforma. Mas transforma-se em quê? O imaginário corrente da transgressão (e como foi que deixámos a transgressão transformar-se em coisa corrente?...) tende a esgotar tudo numa qualquer proporção pueril, estabelecida entre cen-tímetros de pele visível e ousadia. Aritmética conformista, afinal, tenden-cialmente moralista. Neste caso, a crueza e a
nonchalance da fotografia de Newton estão reconvertidas nas regras de um estética
clean, que circula com a mesma indiferença entre revistas de moda e anúncios de shampoos... Não que não haja um evidente saber da pose e da luz no trabalho de Tinelli. Mas o génio de Newton passava por esse misto de surpresa e inquietação que nascia do cruzamento do olhar de Rampling com a frieza metódica da câmara. Além do mais, nos tempos que correm, já quase ninguém arrisca no preto e branco e no seu poético distanciamento, lei sagrada da arte de Newton.