Corinne Marchand protagoniza 2 Horas na Vida de uma Mulher, de Agnès Varda, um filme para redescobrirmos os tempos criativos da Nova Vaga — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Novembro), com o título 'Viagem por Paris no ano de 1962'.
Foi lançado no mercado do DVD um título emblemático do cinema francês do começo dos anos 60: 2 Horas na Vida de uma Mulher (Cléo de 5 à 7), escrito e realizado por Agnès Varda. A sua actualidade surge, aliás, reforçada pelo facto de ter estreado há poucos meses o filme mais recente de Varda (As Praias de Agnès); além do mais, no Porto, na Fundação de Serralves, podem ser vistas duas video-instalações da cineasta (até 29 de Novembro).
Vale a pena sublinhar o óbvio: 2 Horas na Vida de uma Mulher estreou em 1962, em momento de plena euforia da Nova Vaga francesa. Para nos ficarmos por duas referências fortes, lembremos que esse é o ano de filmes tão extraordinários como Viver a Sua Vida (Jean-Luc Godard) e Jules e Jim (François Truffaut). Nesse contexto, Varda emergia como o “símbolo” feminino de um movimento que, apesar das suas muitas diferenças internas, continha, de facto, novos olhares sobre as personagens femininas e novas formas de abordar os seus espaços.
Quando revemos 2 Horas na Vida de uma Mulher, não podemos deixar de reparar na maravilhosa “escassez” dos seus acontecimentos. No seu minima-lismo, esta é, de facto, uma história que podia estar na base de uma qualquer vulgaridade “telenovelesca” que tudo transforma em determinismo social, afectivo e sexual. Basta dizer que a personagem central, Cléo (Corinne Marchand, actriz cuja carreira nem sempre correspondeu à singu-laridade do seu talento), é alguém que aguarda os resultados de um exame médico: as duas horas que o título refere correspondem, afinal, ao angustiado tempo de espera, numa viagem de vários encontros e desencontros, entre conhecidos e desconhecidos.
Quase meio século decorrido sobre as atribulações emocionais de Cléo, há uma dimensão de testemunho que o tempo reforçou e, por assim dizer, depurou. Esta não é apenas uma história cujas emoções continuam a tocar-nos: 2 Horas na Vida de uma Mulher reflecte uma paixão pelo quotidiano que corresponde, ponto por ponto, ao contrário das reportagens “sociológicas” que agora, todos os dias, as televisões nos impingem. Aquilo que confere a Cléo uma tão vibrante diferença não decorre do seu carácter “exemplar”, muito menos da sua função de bandeira de qualquer abstracção mais ou menos militante, seja ela a “mulher” ou a “condição feminina”. Claro que, insisto, este é um filme indissociável de todo um contexto em que se vivem dramáticas alterações do feminino e da sua percepção. Mas só o é porque Varda trata a sua Cléo como um ser humano único e irredutível.
Talvez se possa dizer que, através de filmes como 2 Horas na Vida de uma Mulher, a Nova Vaga francesa (a par do Cinema Novo da época, nomeadamente o que se estava a desenvolver em Portugal) deixou uma herança realista cuja actualidade nunca se desvaneceu. É um realismo que rejeita todas as formas de naturalismo mais ou menos espontaneísta. É, por isso mesmo, um modo de olhar que nos ajuda a resistir ao determinismo moralista da estética que passou a dominar o espaço televisivo.
Foi lançado no mercado do DVD um título emblemático do cinema francês do começo dos anos 60: 2 Horas na Vida de uma Mulher (Cléo de 5 à 7), escrito e realizado por Agnès Varda. A sua actualidade surge, aliás, reforçada pelo facto de ter estreado há poucos meses o filme mais recente de Varda (As Praias de Agnès); além do mais, no Porto, na Fundação de Serralves, podem ser vistas duas video-instalações da cineasta (até 29 de Novembro).
Vale a pena sublinhar o óbvio: 2 Horas na Vida de uma Mulher estreou em 1962, em momento de plena euforia da Nova Vaga francesa. Para nos ficarmos por duas referências fortes, lembremos que esse é o ano de filmes tão extraordinários como Viver a Sua Vida (Jean-Luc Godard) e Jules e Jim (François Truffaut). Nesse contexto, Varda emergia como o “símbolo” feminino de um movimento que, apesar das suas muitas diferenças internas, continha, de facto, novos olhares sobre as personagens femininas e novas formas de abordar os seus espaços.
Quando revemos 2 Horas na Vida de uma Mulher, não podemos deixar de reparar na maravilhosa “escassez” dos seus acontecimentos. No seu minima-lismo, esta é, de facto, uma história que podia estar na base de uma qualquer vulgaridade “telenovelesca” que tudo transforma em determinismo social, afectivo e sexual. Basta dizer que a personagem central, Cléo (Corinne Marchand, actriz cuja carreira nem sempre correspondeu à singu-laridade do seu talento), é alguém que aguarda os resultados de um exame médico: as duas horas que o título refere correspondem, afinal, ao angustiado tempo de espera, numa viagem de vários encontros e desencontros, entre conhecidos e desconhecidos.
Quase meio século decorrido sobre as atribulações emocionais de Cléo, há uma dimensão de testemunho que o tempo reforçou e, por assim dizer, depurou. Esta não é apenas uma história cujas emoções continuam a tocar-nos: 2 Horas na Vida de uma Mulher reflecte uma paixão pelo quotidiano que corresponde, ponto por ponto, ao contrário das reportagens “sociológicas” que agora, todos os dias, as televisões nos impingem. Aquilo que confere a Cléo uma tão vibrante diferença não decorre do seu carácter “exemplar”, muito menos da sua função de bandeira de qualquer abstracção mais ou menos militante, seja ela a “mulher” ou a “condição feminina”. Claro que, insisto, este é um filme indissociável de todo um contexto em que se vivem dramáticas alterações do feminino e da sua percepção. Mas só o é porque Varda trata a sua Cléo como um ser humano único e irredutível.
Talvez se possa dizer que, através de filmes como 2 Horas na Vida de uma Mulher, a Nova Vaga francesa (a par do Cinema Novo da época, nomeadamente o que se estava a desenvolver em Portugal) deixou uma herança realista cuja actualidade nunca se desvaneceu. É um realismo que rejeita todas as formas de naturalismo mais ou menos espontaneísta. É, por isso mesmo, um modo de olhar que nos ajuda a resistir ao determinismo moralista da estética que passou a dominar o espaço televisivo.