Na encruzilhada da história, da sexualidade e dos seus mitos: aí se situa o filme de João Pedro Rodrigues, Morrer como um Homem — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 de Outubro), com o título 'Quantos sexos existem?'.
Foi em 1949 que Simone de Beauvoir publicou o seu livro O Segundo Sexo. No título condensa-se uma afirmação cujo fulgor o tempo não apagou: tratava-se de expor as singularidades das mulheres, e também a sua sublime verdade, nesse gesto recusando a universalidade obrigatória dos valores, discursos e olhares do “primeiro” sexo.
Sessenta anos depois, face a um filme como Morrer como um Homem, podemos perceber que, mesmo no seu esplendor literário e moral, a dicotomia de Beauvoir [foto] é insuficiente. Porquê? Porque a dualidade masculino/feminino se tornou uma linguagem fraca e, em muitos aspectos, demagógica. Observe-se esse gestor ideológico da sociedade que é a publicidade e o feérico tom de “igualdade” com que muitos anúncios representam os jovens, na prática instrumentalizando os rapazes (quase sempre predadores) e menorizando as raparigas (obrigatoriamente “coquettes”, muitas vezes estúpidas).
O filme de João Pedro Rodrigues é sobre um homem que quer ser mulher. E que, ao querê-lo, descobre o relativismo da sua própria sexualidade: afinal, que significa ter um sexo? A resposta do filme é que não há escolha possível entre “dois” sexos porque, em boa verdade, a dualidade dos géneros não chega para compreender (ou se quisermos ser mais humildes: para descrever) as convulsões e os silêncios da sexualidade.
Estamos perante uma fábula sobre a incrível proliferação de sexos. No limite, o filme sugere-nos que cada indivíduo é, em si mesmo, uma variação única sobre a ideia de sexo (seja ela qual for). Ironia fatal que, na sua gravidade, faz de Morrer como um Homem uma... comédia. Sim, comédia. Será, talvez, uma maneira equívoca de definir o filme, mas Georges Bataille [foto] ensinou-nos que há um riso cruel capaz de coabitar até com as tragédias do sagrado. O que quer dizer que estamos bem acompanhados (ou mal, se for caso disso).
Foi em 1949 que Simone de Beauvoir publicou o seu livro O Segundo Sexo. No título condensa-se uma afirmação cujo fulgor o tempo não apagou: tratava-se de expor as singularidades das mulheres, e também a sua sublime verdade, nesse gesto recusando a universalidade obrigatória dos valores, discursos e olhares do “primeiro” sexo.
Sessenta anos depois, face a um filme como Morrer como um Homem, podemos perceber que, mesmo no seu esplendor literário e moral, a dicotomia de Beauvoir [foto] é insuficiente. Porquê? Porque a dualidade masculino/feminino se tornou uma linguagem fraca e, em muitos aspectos, demagógica. Observe-se esse gestor ideológico da sociedade que é a publicidade e o feérico tom de “igualdade” com que muitos anúncios representam os jovens, na prática instrumentalizando os rapazes (quase sempre predadores) e menorizando as raparigas (obrigatoriamente “coquettes”, muitas vezes estúpidas).
O filme de João Pedro Rodrigues é sobre um homem que quer ser mulher. E que, ao querê-lo, descobre o relativismo da sua própria sexualidade: afinal, que significa ter um sexo? A resposta do filme é que não há escolha possível entre “dois” sexos porque, em boa verdade, a dualidade dos géneros não chega para compreender (ou se quisermos ser mais humildes: para descrever) as convulsões e os silêncios da sexualidade.
Estamos perante uma fábula sobre a incrível proliferação de sexos. No limite, o filme sugere-nos que cada indivíduo é, em si mesmo, uma variação única sobre a ideia de sexo (seja ela qual for). Ironia fatal que, na sua gravidade, faz de Morrer como um Homem uma... comédia. Sim, comédia. Será, talvez, uma maneira equívoca de definir o filme, mas Georges Bataille [foto] ensinou-nos que há um riso cruel capaz de coabitar até com as tragédias do sagrado. O que quer dizer que estamos bem acompanhados (ou mal, se for caso disso).