Por vezes, há filmes que não se limitam a elaborar uma visão do mundo — são também filmes que nos fazem ver e, à sua maneira, compreender que quando vemos o mundo estamos a lidar tanto com aquilo que vemos como com tudo o que, no próprio mundo, é construção mais ou menos elaborada, arquitectura de outros olhares, sinal de pensamentos diferentes dos nossos. Por vezes, há filmes assim: O Delator! (título original: The Informant!) é um desses filmes, um espantoso, subtil e divertidíssimo exercício sobre o que vemos, o que julgamos ver e o que pensamos que vemos ao nomear aquilo que nos é dado olhar.
Que tudo parta de factos verídicos, eis o que apenas reforça o prodigioso jogo de espelhos que Steven Soderbergh propõe. A odisseia de Mark Whitacre (Matt Damon, genial), o seu envolvimento com o FBI para denunciar as práticas ilegais da sua empresa e, depois, o seu desvio de fundos da própria empresa que tenta "normalizar", tudo isso gera um ziguezague de realismo e fantástico que, de facto, parecia necessitar do humor cáustico que Soderbergh põe a funcionar — porque, afinal de contas, este é um filme que expõe, como poucos, os sistemas imaginários que sustentam a circulação do dinheiro. Ou, se quiserem, o dinheiro como supremo imaginário social.
Não por acaso, as imagens de O Delator! trazem-nos um realismo insólito, palpável, por certo indissociável das proezas da nova câmara digital Red One. Daí que seja inevitável sublinhar o contributo decisivo do director de fotografia Peter Andrews, colaborador regular de Steven Soderbergh (aliás, pseudónimo de Steven Soderbergh...).