quinta-feira, outubro 22, 2009

Discos da semana, 19 de Outubro

A (justificada) aclamação que chegou com Illinois, em 2005, veio acompanhada com promessas de que esse episódio, somado ao anterior Michigan (2003) eram parte de um ciclo maior, que retrataria os 50 estados dos EUA, cada qual através do seu ciclo de canções… Passaram quatro anos, e na verdade nem mais um estado deu à costa. O que não é sinónimo de férias… Pelo caminho Sufjan Stevens lançou uma colecção de extras de Illinois, uma caixa com cinco EPs de Natal e, nesta rentrée de 2009, dois novos discos. Um deles (do outro falaremos brevemente) na verdade representando uma aventura multimédia que o levou a pegar numa câmara de filmar e, depois, a juntar às imagens uma música que as unisse num todo. O objecto da sua atenção foi a chamada B.Q.E. (Brooklyn Queens Expressway, uma das mais agitadas auto-estradas internas na cidade de Nova Iorque). Das imagens fez nascer um filme não narrativo (servido em DVD extra nesta edição) que nos leva pelo asfalto (sempre com o ecrã dividido em três imagens ora complementares, ora em espelho, ora apenas afins), nele inserindo uma pontuação de ficção através de um conjunto de dançarinas: as Hooper Heroes. A música relaciona-se com estas imagens segundo heranças directas colhidas no histórico Koyaanisqatsi, de Godrey Reggio, com partitura de Philip Glass. Este é uma das referências citadas, num todo que junta ainda traços pianísticos que ecoam memórias de Gershwin e visões orquestrais contemplativas que não escondem uma admiração por Aaron Copland e John Adams, a dada altura abrindo janelas para formas mais próximas da cultura pop. Aí não mais sublinhando uma expressão de identidade de tempo e lugar na verdade não estranha a muita da música contemporânea norte-americana da segunda metade do século XX. Sufjan Stevens lança-se aqui fora do terreno “seguro” que a canção representara até aqui. Porém, nas entrelinhas de Illinois, já caminhavam algumas destas heranças não pop que agora afloram como mais que meros recursos de estilo ao serviço do arranjo de canções. BQE é uma suite orquestral de grande fôlego (e ambição). Cruza linguagens e contribui para um esbater das fronteiras de género que nos tem dado alguns dos mais interessantes discos dos últimos anos.
Sufjan Stevens
“B.Q.E.”
Asthmatic Kitty Records / Popstock
5 / 5
Para ver e ouvir: YouTube


Para quem segue (com alguma atenção) o percurso de Bradford Cox, há muito que é claro que a sua actividade criativa ultrapassa em velocidade e volume a sua capacidade editorial (leia-se discográfica). Há pouco mais de um ano, através do projecto a solo Altas Sound deu corpo a uma serie dessas erupções de acontecimentos que lhe pareceram não ter destino evidente através dos seus Deerhunter. Let The Blind Lead Those Who Can See But Cannot Feel era de facto um grande mundo de pequenos acontecimentos, uma colecção de ideias, vinhetas e caminhos. De princípios, meios e fins, nem sempre por esta ordem. Logos, o segundo álbum que edita via Atlas Sound representa, com alguns EPs de transição pelo meio, um evidente desejo em arrumar, na medida do possível, a vastidão de ideias que lançara no álbum anterior (e as mais entretanto surgidas). Estamos assim mais próximos dos terrenos da canção, sem que tal tenha implicado um abdicar dos mesmos interesses e obsessões. Aqui se cruzam ainda um caleidoscópio de ecos do psicadelismo e uma curiosidade reconhecida pelas cenografias largas do krautrock, mas também um gosto pelas formas da canção pop, com pistas colhidas entre várias referências entre memórias dos anos 50 e 60. Assim como jogos de naturais afinidades, que ganham forma através de dois duetos, um com Panda Bear (Animal Collective), outro com Laetitia Sadier (dos Stereolab). Sentindo-se talvez mais “livre” que nos Deerhunter, em Atlas Sound Bradford Cox desafia-nos a novo mergulho num mundo muito pessoal feito de cores, sons e acontecimentos… E uma vez mais encanta.
Atlas Sound
“Logos”
4AD / Popstock
4 / 5
Para saber mais: site da 4AD


A dupla britânica Basement Jaxx está longe de ser uma força maior na invenção do que quer que seja. Porém, ao longo da sua discografia, mostraram saber somar ideias e ingredientes para deles criar verdadeiros convites à dança, e a dados instantes com inesperados pontos de vista. O seu novo álbum devolve-os a terreno mais próximo da medula da sua discografia (depois da aventura que foi Crazy Itch Radio). A dupla formada por Felix Buxton e Simon Ratcliffe propõe em Scars um panorama de canções que tanto podem rumar a noites agitadas como habitar o FM de estações com um gosto pop ritmado e apetite pelas electrónicas. O alinhamento retoma um sentido de eclectismo característico de álbuns anteriores, caminhando por vários terrenos em simultâneo, gerando híbridos que assim partilham interesses e sabores. Esta vastidão de horizontes, que se amplifica pela presença de uma multidão de convidados (entre os quais Santigold, Sam Sparro, Lightspeed Champion, Amp Fidler ou a veterana Yoko Ono) e no cardápio de referências (e aqui é curioso o retomar do em tempos inenarrável Maniac de Michael Sembello), cabe contudo na pop dançável de banda larga que o disco reflecte. Do hoje politicamente incorrecto “autotune” a uma irresistível presença do disco como princípio fundamental da arquitectura de ritmos aqui convocada, Scars é como um garrido panorama do som pop que sabe bem dançar neste final de 2009. Não com uma agenda documentarista, como que querendo servir um menu de degustação dos sabores em voga. Mas como um retrato possível, e de autor, de caminhos vários, algures entre a invenção e a multidão.
Basemant Jaxx
“Scars”
XL Recordings / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Um disco de canções de Natal de Bob Dylan? Com os mesmos clássicos da “estação” que em tempos escutámos em vozes como as de um Frank Sinatra, um Elvis Presley ou um Bing Crosby? Little Drummer Boy, Winter Wonderland, Have Yourself A Marry Little Christmas… Sim, esses mesmos. Os standards da quadra são o ingrediente central de Christmas In The Heart, disco onde Dylan entrega a sua voz (e a presença dos seus músicos) a canções que, assim, passam a contar consigo na sua já longa história. Não há surpresas, não há sobressaltos. Talvez um pouco mais de tempero bluesey, por exemplo, ao som de The Christmas Blues… Mas na essência apenas o reencontrar de velhas tradições, aceitando-as como tal. E de facto são simples e directas as versões, assim como é clara uma interpretação que por vezes pisca o olho aos grandes ‘crooners’ (a voz não é contudo a mesma, de facto) que antes deram já forma a estes mesmos momentos. Resta acrescentar que, com o disco, servem-se cartões de boas festas e uma mensagem de solidariedade (uma vez que este é um disco cujos fundos reverterão para campanhas de beneficência). Em 2009 Dylan, é desta forma, o primeiro a deixar-nos votos de feliz Natal.
Bob Dylan
“Christmas In the Heart”
Columbia / Sony Music
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Depois de anos a fio de ideias e discos lançados perante um quase alheamento geral, os Flaming Lips viram-se no centro das atenções com o aproximar do milénio. Tudo por conta de dois álbuns invulgarmente polidos, feitos de canções elaboradas e de jogos cénicos que depois lhes deram cativante vida em concertos que marcaram o seu tempo. A “ressaca” desses dois momentos – em concreto The Soft Bulletin (de 1999) e Yoshimi Battles The Pink Robots (2002) – colocou-os perante um vasto mundo de opções, traçando-se então inesperada agenda de desnorte onde ante parecia haver uma série de novos caminhos encontrados… At War With The Mystics (2006) foi valente tiro ao lado. O muito aguardado Christmas On Mars (2008) revelou-se inconsequente. E Embryonic, o novo álbum “duplo” é um mais palco de situações sem real rumo, apesar de nele encontrarmos uma mão cheia de acontecimentos que poderiam ter gerado luz ao fundo de um túnel que assim parece não ter fim. Embryonic soa mais a uma colecção de esquiços bem produzidos que a um ciclo agarrado por uma qualquer ordem. A arrumação interna de cada faixa, entre camadas de acontecimentos (muitas vezes nas periferias da distorção) traduz a existência de uma demanda e um quadro de trabalhos. Porém, o alinhamento apresentado não dá conta de que essa mesma procura tenha dado frutos ou conduzido esta soma de situações a um qualquer destino para lá de frequentes aventuras, essencialmente inconsequentes, por terrenos ‘noise’. Há sinais interessantes em colaborações com os MGMT ou Karen O (Yeah Yeah Yeahs). Há pistas a explorar nos veios contemplativos revelados em Evil ou Gemini Syringes. Há belíssimas canções em I Can Be a Frog ou The Sparrow Looks Up At The Machine (esta a retomar as linhas de Soft Bulletin). Ou seja, indicia boas sugestões. Pena que não as tenha já levado a melhor destino.
The Flaming Lips
“Embryonic”
WB / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Annie, Atlas Sound, Leonard Cohen (live 1970), Spandau Ballet, Lyle Lovett, Bauhaus (reedições), Ray Davies (best of), Frankie Goes To Hollywood (reedição)

Brevemente:
26 de Outubro: António Pinho Vargas, The Hidden Cameras, Michael Jackson, U2 (reedição), Flight Of The Conchords, Elbow (reedição), R.E.M. (live), Britney Spears (best of), Erasure (reedição), Luke Haines, Tegan and Sara, Michael Nyman + McAlmont
2 de Novembro: Julian Casablancas, David Fonseca, Weezer, Nirvana (live),Frankie Goes To Hollywood (best of), Bryn Terfel, Rickie Lee Jones, World Party
9 de Novembro: The Killers (live), Martha Wainwright, Robbie Williams, Shirley Bassey,Tori Amos, The Doors (live), Rolling Stones (reedições)


Novembro: Atlantic Records (antologia), Foo Fighters, Kraftwerk (caixa), The Cinematics, Spiritualized (reedição), Ryuichi Sakamoto
Dezembro: Echo & The Bunnymen (live), Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster

PS. O texto sobre Bob Dylan é uma versão editada de uma crítica publicada na revista NS