domingo, outubro 25, 2009

O medo em ópera (e numa sinfonia)

O compositor norte-americano John Adams (n. 1947) levou já por diversas vezes figuras e grandes questões políticas do nosso tempo aos palcos da ópera. É de resto o autor contemporâneo com mais exemplos de abordagens musicais a situações do mundo real e político no presente, ora encontrando cenário a explorar na histórica visita de Richard Nixon à China em 1972 (Nixon In China, de 1987) ou no sequestro do Achillie Lauro (em The Death Of Klinghoffer, 1991). Doctor Atomic é a sua mais recente “ópera-política”. E toma como centro da acção os instantes que antecederam a detonação do primeiro teste para uma bomba atómica, em Los Alamos, em Julho de 1945.

Como em experiências anteriores focadas sobre o real, John Adams – acompanhado por Peter Sellars, que assina o libreto e a encenação da primeira produção – procura figuras reais para recriar uma história que, no palco, corre entre o desenrolar dos factos e frequentes olhares interiores dos protagonistas. Musicalmente esta á uma herdeira natural de uma série de preocupações centrais à obra do compositor, justapondo traços herdados de uma tradição americana que remonta a Ives e Copland, não abdicando de marcas assimiladas de experiências mais próximas do minimalismo, ambos os terrenos contribuindo para a definição de climas de contemplação e ansiedade entre uma verdadeira colecção de medos. O primeiro acto leva-nos à base em Los Alamos, já em contagem decrescente para o ensaio, debatendo-se questões estratégicas, técnicas e éticas. O tempo avança e a explosão está cada vez mais próxima, a música e o jogo de personagens traduzindo uma tensão que se acumula e assombra todos os envolvidos. Estreada em São Francisco, em 2005, Doctor Atomic teve primeira apresentação europeia em Amesterdão em Junho de 2007, propondo o DVD recentemente editado um filme dessa produção holandesa, sob captação televisiva dirigida pelo próprio encenador. O barítono Gerald Finley veste aqui a pele de Robert Oppenheimer, o “pai” da bomba atómica, papel que entretanto retomou já este ano numa outra produção em Londres.

Mais recentemente John Adams retomou a música composta para Doctor Atomic, a partir dela criando uma sinfonia sem qualquer participação vocal. Chamou-lhe simplesmente Doctor Atomic Symphony, reorganizando em três andamentos (The Laboratory, Panic e Trinity) a essência das características narrativas e emocionais da ópera. A ausência das personagens e das palavras em nada compromete o retrato que a versão sinfónica traduz. Os motivos de algumas das sequências-chave da ópera são retomados. Todavia, mesmo sem a experiência de palco (ou do DVD), a evolução dos climas e situações correm claramente entre esta sinfonia com intenções descritivas. O medo, que mora em todos os cantos da ópera, ganha aqui contudo uma amplitude que transcende a da narrativa tomada como ponto de partida. Como que a reflectir sobre aquele momento de 1945 como não apenas um facto, mas antes o abrir de uma era cujas consequências a história ainda não pode hoje relatar. A Doctor Atomic Symphony surge agora em disco, na Nonesuch, através de uma gravação pela Saint Louis Symphony Orchestra, dirigida por David Robertson. O disco junta à sinfonia uma outra peça orquestral, Guide To Strange Places, de 2001, onde reencontramos o interesse reconhecido de John Adams pela exploração de padrões rítmicos.



Imagens do trailer que anunciou a recente produção de Doctor Atomic em Londres. A encenação é distinta da que vemos no DVD. O protagonista é, contudo, o mesmo cantor.