Tema e varições mediáticas: ou como Michael Jackson não pára de morrer — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Outubro), com o título 'Subitamente este Verão'.
Há qualquer coisa de inapelavelmente falso nos modos como temos lidado com a morte de Michael Jackson (e, como é óbvio, estas linhas não alimentam a ilusão de se eximir a tal falsidade). Não estou a pensar apenas nesse perverso efeito de “celebridade” que se consolida na abstracção que a própria morte favorece e, por assim dizer, encena. Nem sequer me refiro à gestão familiar da herança do criador de Thriller, demasiado “calorosa” na sua ideologia de lágrimas e fraternidade. Penso, isso sim, na sua imagem absolutamente jocosa (e estou a ser eufemístico) que era alimentada pela esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social, incluindo muitos “especializados” na área da música. Subitamente este Verão, o tom mudou. Mais do que isso: por obra e graça da sua morte, Michael foi transformado em símbolo de tudo e coisa nenhuma, num processo de exumação mediática que teve a sua obscena expressão no longo folhetim sobre as sucessivas autópsias.
Poderá dizer-se que o seu derradeiro álbum, Invincible (2001), não augurava um século XXI muito criativo. Mas a questão não é essa. Aliás, se o fosse, poderíamos também contrapor que a trilogia Off the Wall (1979), Thriller (1982) e Bad (1987), mais algumas obras-primas na área dos telediscos, bastariam para lhe conferir um lugar central na história da pop. Acontece que toda a agitação post mortem em torno de Michael ilustra uma das mais cruéis componentes do nosso imaginário mediático, todos os dias liderado por muitas retóricas televisivas. A saber: multiplicam-se as “notícias”, “evocações” e “homenagens”, não porque nelas se exprima a densidade de algum conceito de história, antes porque assim se instala um vazio sem história, sem memória e, no limite, sem qualquer sobressalto afectivo. A histeria coincide, aqui, com a mais fria desumanização.
Há qualquer coisa de inapelavelmente falso nos modos como temos lidado com a morte de Michael Jackson (e, como é óbvio, estas linhas não alimentam a ilusão de se eximir a tal falsidade). Não estou a pensar apenas nesse perverso efeito de “celebridade” que se consolida na abstracção que a própria morte favorece e, por assim dizer, encena. Nem sequer me refiro à gestão familiar da herança do criador de Thriller, demasiado “calorosa” na sua ideologia de lágrimas e fraternidade. Penso, isso sim, na sua imagem absolutamente jocosa (e estou a ser eufemístico) que era alimentada pela esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social, incluindo muitos “especializados” na área da música. Subitamente este Verão, o tom mudou. Mais do que isso: por obra e graça da sua morte, Michael foi transformado em símbolo de tudo e coisa nenhuma, num processo de exumação mediática que teve a sua obscena expressão no longo folhetim sobre as sucessivas autópsias.
Poderá dizer-se que o seu derradeiro álbum, Invincible (2001), não augurava um século XXI muito criativo. Mas a questão não é essa. Aliás, se o fosse, poderíamos também contrapor que a trilogia Off the Wall (1979), Thriller (1982) e Bad (1987), mais algumas obras-primas na área dos telediscos, bastariam para lhe conferir um lugar central na história da pop. Acontece que toda a agitação post mortem em torno de Michael ilustra uma das mais cruéis componentes do nosso imaginário mediático, todos os dias liderado por muitas retóricas televisivas. A saber: multiplicam-se as “notícias”, “evocações” e “homenagens”, não porque nelas se exprima a densidade de algum conceito de história, antes porque assim se instala um vazio sem história, sem memória e, no limite, sem qualquer sobressalto afectivo. A histeria coincide, aqui, com a mais fria desumanização.