Era para aqui — The O2 Arena (Londres) — que estavam marcados os concertos de Michael Jackson que nunca aconteceram. Agora, o filme que regista os seus ensaios — This Is It, de Kenny Ortega — não pode deixar de suscitar sentimentos fortes e desencontrados. Aqui ficam as nossas perspectivas — estes textos foram publicados no Diário de Notícias (29 de Outubro), respectivamente com os títulos 'Trabalho de luto' e 'Então era "só" isto?'.
J.L.: Provavelmente, não é possível compreender a cultura pop omitindo a sua subterrânea pulsão de morte. Talvez porque é uma cultura cujos primeiros ícones (James Dean, Elvis Presley) se revelaram num contrastado pós-guerra. Talvez porque cedo aprendemos que qualquer representação não “reproduz” nada, antes cristaliza, de forma letal, aquilo que dá a ver (Warhol). No caso de Michael Jackson, a perversão dos deuses encarregou-se de nos deixar as imagens (e os sons) de This Is It como uma espécie de derradeiro estertor da vida já contaminada pela morte. Porquê? Porque nenhum olhar, por mais cândido ou extraterrestre, consegue olhar para a comovente energia de Jackson nos ensaios sem pensar: “faltavam poucas semanas...”.
Felizmente, Kenny Ortega, coreógrafo e realizador de This Is It, resistiu à moral digital dos nossos tempos, evitando “limpar” (em sentido literal ou simbólico) as derradeiras memórias do criador de Thriller. Este é um filme tecido de muitos desvios, sobressaltos e erros, nessa medida humanizando o trabalho e desmentindo, ponto por ponto, a imagem frívola de Jackson e do seu profissionalismo. Estamos perante um relato que, com admirável serenidade, devolve ao documentarismo a verdade rudimentar dos corpos e das vozes, na procura obstinada de uma harmonia a que continuamos a chamar espectáculo. É também uma maneira paradoxalmente festiva de fazermos o nosso luto. Lembrando o eterno aforismo de Jean Cocteau, quando nos ensinava que “o cinema filma a morte no trabalho”.
N.G.: É questão que fica no ar depois de terminada a projecção: então era 'só' isto? E, convenhamos, sem mais imagens que as captadas durante os ensaios, não poderia nunca ter sido muito mais... Que fique claro, This Is It não é um filme-concerto. Nunca o seria, que os concertos nunca chegaram a acontecer. O filme parece querer dar-nos a saber, sobretudo, que espectáculo era aquele que estava ali a nascer... Mas, como ideia de cinema, não é mais que um débil retrato de bastidores. Com frestas de interesse, é certo, mas sem aparente vontade em contrariar a vontade de tentar traduzir, com os fragmentos disponíveis, o que seria a vida em palco desta digressão.
Há magníficos momentos de grande arte pop em palco, assim como curiosos segmentos ainda por polir, mas falta-lhes uma ideia que conduza as imagens além da mera sequência de canções. Fica claro que Michael Jackson era um artista de excepção. Que tinha uma visão clara sobre a sua música e a forma de a apresentar. Que parecia estar em forma (física e vocal) para enfrentar os rigores do palco. Que tinha reunido uma mão-cheia de vídeos incríveis para suportar algumas cenografias. Que tinha em mãos um daqueles espectáculos que iam ficar na história... Mas mesmo com momentos de montagem tecnicamente competentes,e aceitando até que muito do texto até se possa ler no contexto, This Is It não parece mais que um bom extra para um DVD. No fim ficam duas certezas: perdemos um grande artista. E um grande concerto!
J.L.: Provavelmente, não é possível compreender a cultura pop omitindo a sua subterrânea pulsão de morte. Talvez porque é uma cultura cujos primeiros ícones (James Dean, Elvis Presley) se revelaram num contrastado pós-guerra. Talvez porque cedo aprendemos que qualquer representação não “reproduz” nada, antes cristaliza, de forma letal, aquilo que dá a ver (Warhol). No caso de Michael Jackson, a perversão dos deuses encarregou-se de nos deixar as imagens (e os sons) de This Is It como uma espécie de derradeiro estertor da vida já contaminada pela morte. Porquê? Porque nenhum olhar, por mais cândido ou extraterrestre, consegue olhar para a comovente energia de Jackson nos ensaios sem pensar: “faltavam poucas semanas...”.
Felizmente, Kenny Ortega, coreógrafo e realizador de This Is It, resistiu à moral digital dos nossos tempos, evitando “limpar” (em sentido literal ou simbólico) as derradeiras memórias do criador de Thriller. Este é um filme tecido de muitos desvios, sobressaltos e erros, nessa medida humanizando o trabalho e desmentindo, ponto por ponto, a imagem frívola de Jackson e do seu profissionalismo. Estamos perante um relato que, com admirável serenidade, devolve ao documentarismo a verdade rudimentar dos corpos e das vozes, na procura obstinada de uma harmonia a que continuamos a chamar espectáculo. É também uma maneira paradoxalmente festiva de fazermos o nosso luto. Lembrando o eterno aforismo de Jean Cocteau, quando nos ensinava que “o cinema filma a morte no trabalho”.
N.G.: É questão que fica no ar depois de terminada a projecção: então era 'só' isto? E, convenhamos, sem mais imagens que as captadas durante os ensaios, não poderia nunca ter sido muito mais... Que fique claro, This Is It não é um filme-concerto. Nunca o seria, que os concertos nunca chegaram a acontecer. O filme parece querer dar-nos a saber, sobretudo, que espectáculo era aquele que estava ali a nascer... Mas, como ideia de cinema, não é mais que um débil retrato de bastidores. Com frestas de interesse, é certo, mas sem aparente vontade em contrariar a vontade de tentar traduzir, com os fragmentos disponíveis, o que seria a vida em palco desta digressão.
Há magníficos momentos de grande arte pop em palco, assim como curiosos segmentos ainda por polir, mas falta-lhes uma ideia que conduza as imagens além da mera sequência de canções. Fica claro que Michael Jackson era um artista de excepção. Que tinha uma visão clara sobre a sua música e a forma de a apresentar. Que parecia estar em forma (física e vocal) para enfrentar os rigores do palco. Que tinha reunido uma mão-cheia de vídeos incríveis para suportar algumas cenografias. Que tinha em mãos um daqueles espectáculos que iam ficar na história... Mas mesmo com momentos de montagem tecnicamente competentes,e aceitando até que muito do texto até se possa ler no contexto, This Is It não parece mais que um bom extra para um DVD. No fim ficam duas certezas: perdemos um grande artista. E um grande concerto!