Num daqueles delírios cinéfilos impossíveis de demonstrar, talvez possamos supor que, se Alfred Hitchcock refizesse em 2009 o seu Vertigo (1958), então Madeleine, a personagem de Kim Novak, seria entregue a January Jones. É ela, aliás, que assume uma das mais fascinantes personagens femininas que, em tempos recentes, a televisão nos ofereceu: Betty Draper, figura central da dinâmica de Man Men, a fabulosa série a passar na RTP2 — de modo porventura sintomático, poderemos acrescentar que Betty existe na passagem entre as décadas de 50 e 60, precisamente a época de Vertigo, um contexto de peculiar transformação dos padrões de consumo, da estrutura familiar e, em particular, das identidades femininas.A revista americana GQ (edição com data de Novembro) faz capa com January Jones, apresentando-a num magnífico portfolio assinado por Terry Richardson. São imagens que sabem integrar de forma incisiva a herança de um erotismo muito sixties que vive das poses contemplativas, mas também de um subtexto de sugestões de insólita ambiguidade — como se a pergunta latente fosse esta: afinal, neste mundo dominado pelos festivos contrastes de vermelhos e negros, que lugar existe para os homens?
Além do mais, vale a pena ler a entrevista de January Jones a Mark Kirby, dissertando com alguma ironia sobre a simbologia social (e artística) de homens e mulheres. Evocando o seu papel em Os Três Enterros de um Homem/The Three Burials of Melquias Estrada (2005), de Tommy Lee Jones, January Jones lembra que, no Festival de Cannes, sem sequer se informarem, muitos jornalistas consideraram que a sua participação resultava apenas de alguma forma de nepotismo (apesar do apelido comum, de facto não há entre eles qualquer relação familiar) — houve mesmo um jornalista que lhe perguntou: "Como é ser dirigida pelo seu pai?".