A exposição de fotografias de Jorge Molder é um acontecimento em que a transparência se refaz em enigma — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Outubro), com o título 'A nitidez dos sonhos de Jorge Molder'.
Que fazer face a tantas imagens (televisivas, publicitárias, informáticas, etc.) que todos os dias vemos ou somos obrigados a ver? Sobretudo: que fazer quando começamos a compreender que já não as vemos? Ou ainda: quando é que a saturação do ver faz com que comecemos a sentir que, em boa verdade, apenas depositamos os olhos nas superfícies, por uns breves instantes, saltamos para outra imagem e entretanto... esquecemos tudo?
As espantosas fotografias de Jorge Molder são isso mesmo. Produzem espanto. Porquê? Porque desafiam o nosso entendimento. É certo que olhamos para elas e não temos muitos problemas em identificar os seus “assuntos”: muitas delas são protagonizadas pelo próprio fotógrafo, em poses mais ou menos lineares e austeras, desenhando, contemplando, pensando; outras devolvem-nos “objectos” conhecidos (uma mão, um peixe, um copo sobre uma mesa, etc.). Ao mesmo tempo, na sua nitidez (“uma rosa é uma rosa é uma rosa”, de acordo com as palavras lendárias de Gertrud Stein), as fotografias dizem-nos que identificar as “coisas” não basta. Ou melhor: não temos palavras para tudo aquilo que vemos e, quando suspendemos os nomes, aí pressentimos as alegrias e angústias do sonho.
Freud explica [foto: Sigmund Freud]. Por isso, a actual exposição de fotografias de Jorge Molder na Fundação Gulbenkian (terça a domingo, das 10h0 às 18h00, até dia 27 de Dezembro), tem o nome adequado de “A Interpretação dos Sonhos”, título roubado a um dos livros nucleares do pensamento do pai da psicanálise (publicado em 1899). Mais concretamente, esse é o título de uma série de imagens, recentes e inéditas, que exploram o misto de estranheza e transparência das matérias oníricas. Estão expostas em paralelo com outras duas séries: numa, “O Pequeno Mundo” (2000), Molder assume-se como personagem do seu próprio espaço, num labor que tem tanto de exposição como de introspecção; na outra, com o irónico título “Não tem que me contar seja o que for” (2006-2007), o fotógrafo trabalha sobre fotogramas de filmes (Freaks, de Tod Browning, O Falso Culpado, de Alfred Hitchcock, O Último Ano em Marienbad, de Alain Resnais, etc.), gerando uma espécie de documentos imaginários em que a abstracção do mundo passa sempre pelo concreto da imagem.
São poderosas e envolventes as fotografias de Jorge Molder [exemplo da série "A Interpretação dos "Sonhos"]. Nesse sentido, recusam o simbolismo pesado, determinista ou banalmente obsceno de muitas imagens que, hoje em dia, massacram os nossos olhos e a nossa alma (ou nos fazem desejar ter uma alma). No limite, convidam-nos para um ritual que não está na moda: o de aceitarmos que as imagens não têm que estar obrigadas a “significar” algo de imediato, muito menos de definitivo. Podem ser tão só paisagens de uma verdade que pressentimos radical, mas que o mais cândido realismo existencial nos aconselha a nem sequer tentar formular por palavras. Apenas olhamos, silenciosos, extasiados, um pouco inquietos. Como num sonho.
Que fazer face a tantas imagens (televisivas, publicitárias, informáticas, etc.) que todos os dias vemos ou somos obrigados a ver? Sobretudo: que fazer quando começamos a compreender que já não as vemos? Ou ainda: quando é que a saturação do ver faz com que comecemos a sentir que, em boa verdade, apenas depositamos os olhos nas superfícies, por uns breves instantes, saltamos para outra imagem e entretanto... esquecemos tudo?
As espantosas fotografias de Jorge Molder são isso mesmo. Produzem espanto. Porquê? Porque desafiam o nosso entendimento. É certo que olhamos para elas e não temos muitos problemas em identificar os seus “assuntos”: muitas delas são protagonizadas pelo próprio fotógrafo, em poses mais ou menos lineares e austeras, desenhando, contemplando, pensando; outras devolvem-nos “objectos” conhecidos (uma mão, um peixe, um copo sobre uma mesa, etc.). Ao mesmo tempo, na sua nitidez (“uma rosa é uma rosa é uma rosa”, de acordo com as palavras lendárias de Gertrud Stein), as fotografias dizem-nos que identificar as “coisas” não basta. Ou melhor: não temos palavras para tudo aquilo que vemos e, quando suspendemos os nomes, aí pressentimos as alegrias e angústias do sonho.
Freud explica [foto: Sigmund Freud]. Por isso, a actual exposição de fotografias de Jorge Molder na Fundação Gulbenkian (terça a domingo, das 10h0 às 18h00, até dia 27 de Dezembro), tem o nome adequado de “A Interpretação dos Sonhos”, título roubado a um dos livros nucleares do pensamento do pai da psicanálise (publicado em 1899). Mais concretamente, esse é o título de uma série de imagens, recentes e inéditas, que exploram o misto de estranheza e transparência das matérias oníricas. Estão expostas em paralelo com outras duas séries: numa, “O Pequeno Mundo” (2000), Molder assume-se como personagem do seu próprio espaço, num labor que tem tanto de exposição como de introspecção; na outra, com o irónico título “Não tem que me contar seja o que for” (2006-2007), o fotógrafo trabalha sobre fotogramas de filmes (Freaks, de Tod Browning, O Falso Culpado, de Alfred Hitchcock, O Último Ano em Marienbad, de Alain Resnais, etc.), gerando uma espécie de documentos imaginários em que a abstracção do mundo passa sempre pelo concreto da imagem.
São poderosas e envolventes as fotografias de Jorge Molder [exemplo da série "A Interpretação dos "Sonhos"]. Nesse sentido, recusam o simbolismo pesado, determinista ou banalmente obsceno de muitas imagens que, hoje em dia, massacram os nossos olhos e a nossa alma (ou nos fazem desejar ter uma alma). No limite, convidam-nos para um ritual que não está na moda: o de aceitarmos que as imagens não têm que estar obrigadas a “significar” algo de imediato, muito menos de definitivo. Podem ser tão só paisagens de uma verdade que pressentimos radical, mas que o mais cândido realismo existencial nos aconselha a nem sequer tentar formular por palavras. Apenas olhamos, silenciosos, extasiados, um pouco inquietos. Como num sonho.