domingo, setembro 20, 2009

"Mad Men": os homens e as mulheres

30 Rock e Man Men: duas séries a que apetece sempre voltar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 de Setembro), com o título 'A verdade de "Mad Men"'.

Creio que foi discutível a opção tomada pela RTP2 em relação ao modo de programar a série 30 Rock (Rockefeller 30). Assim, de segunda a sexta, em vez de um episódio por volta das 23h30, passaram a surgir dois de seguida. E, para já, acabou… De facto, apesar de vivermos na idade do DVD (e das suas formas de consumo), uma série é concebida para ser redescoberta em intervalos mais ou menos regulares. A colagem de episódios, mesmo garantindo uma “duração” mais dilatada, implica sempre alguma descaracterização da própria série.
Dito isto, importa repetir que 30 Rock fica, juntamente com Mad Men, como um dos grandes acontecimentos deste ano televisivo. Aliás, valerá a pena insistir no facto de ambas as séries, sendo produtos minuciosamente concebidos para as especificidades da televisão, reflectirem uma calculada proximidade com alguns modelos cinematográficos: 30 Rock é indissociável de um registo de comédia enraizado na sedutora turbulência da palavra (apetecendo evocar o nome de Preston Sturges, um mestre algo esquecido, autor de clássicos como The Palm Beach Story, produção de 1942 entre nós chamada Um Marido Rico), enquanto Mad Men mantém estreitas relações com os muitos melodramas sobre crises familiares feitos em Hollywood na transição da década de 50 para a de 60.
O caso de Mad Men (que continua na RTP2, sexta-feira às 22h35) é tanto mais interessante quanto, de facto, alguns melodramas dessa época reflectiam também um dos temas nucleares da série: o poder (profissional, conjugal, emocional) dos homens sobre as mulheres e, mais do que isso, as formas de resistência das mulheres, em parte decorrentes das próprias transformações da organização do trabalho e dos valores do consumo. Se nos lembrarmos de um filme como Strangers When We Meet/Um Estranho na Minha Vida (1960), de Richard Quine, com Kirk Douglas e Kim Novak, podemos descortinar um evidente ponto de contacto: em ambos os casos, assistimos à eclosão de sentimentos e desejos que decompõem, ponto por ponto, as aparências sociais. Aliás, um dos primeiros cartazes de Mad Men é, nesse aspecto, esclarecedor. Nele se escreve: “Uma série sobre a verdade. E algumas outras áreas igualmente cinzentas.”