Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 18, com o título 'Um país de patetas alegres'.
A Comissão Nacional de Eleições pôs a circular dois videos apelando ao voto. O lema é: “escolha votar”. Num dos videos, um jovem de t-shirt está no alfaiate, protesta contra fatos e gravatas, mas acaba toscamente vestido dessa maneira; no outro, no cabeleireiro, uma jovem distrai-se e deixa que a arranjem com um penteado caótico de cores berrantes. A mensagem é: como ambos abdicaram de escolher, alguém decidiu por eles.
Que haja uma instituição oficial que oficialmente acredite que caricaturas tão grosseiras possam mobilizar eleitores, eis o que me transcende. Digamos apenas que ninguém duvida da boa vontade da CNE. Seja como for, os videos são um claro sintoma de uma praga social todos os dias reforçada por programas de televisão e, em particular, muitas formas de publicidade.
Veja-se a maioria dos anúncios de telemóveis ou cervejas. Por norma, os jovens são representados como patetas alegres reduzidos à ânsia histérica de consumir tudo o que lhes aparece à frente. Não poucas vezes, os rapazes surgem como predadores sexuais, com as raparigas no papel de vítimas coniventes.
Esperava eu que, um dia, algum dirigente político tivesse a coragem rudimentar de nos mostrar que fazer política é também questionar estas formas de (mal) viver. Mas não. Celebramos cantores de quinta ordem, naturalmente em mangas de camisa e barba de dois dias, a tecer considerações fúteis sobre o amor e a felicidade; ao mesmo tempo, olhamos o professor Eduardo Lourenço, no seu impecável fato e gravata, como um figurante mais ou menos deslocado. Como é óbvio, não podemos responsabilizar a CNE por este estado de coisas. Além de que, convenhamos, “escolha votar” é uma boa mensagem. Diria apenas que alfaiates e cabeleireiros não merecem ser tratados como bodes expiatórios da nossa miséria política.
A Comissão Nacional de Eleições pôs a circular dois videos apelando ao voto. O lema é: “escolha votar”. Num dos videos, um jovem de t-shirt está no alfaiate, protesta contra fatos e gravatas, mas acaba toscamente vestido dessa maneira; no outro, no cabeleireiro, uma jovem distrai-se e deixa que a arranjem com um penteado caótico de cores berrantes. A mensagem é: como ambos abdicaram de escolher, alguém decidiu por eles.
Que haja uma instituição oficial que oficialmente acredite que caricaturas tão grosseiras possam mobilizar eleitores, eis o que me transcende. Digamos apenas que ninguém duvida da boa vontade da CNE. Seja como for, os videos são um claro sintoma de uma praga social todos os dias reforçada por programas de televisão e, em particular, muitas formas de publicidade.
Veja-se a maioria dos anúncios de telemóveis ou cervejas. Por norma, os jovens são representados como patetas alegres reduzidos à ânsia histérica de consumir tudo o que lhes aparece à frente. Não poucas vezes, os rapazes surgem como predadores sexuais, com as raparigas no papel de vítimas coniventes.
Esperava eu que, um dia, algum dirigente político tivesse a coragem rudimentar de nos mostrar que fazer política é também questionar estas formas de (mal) viver. Mas não. Celebramos cantores de quinta ordem, naturalmente em mangas de camisa e barba de dois dias, a tecer considerações fúteis sobre o amor e a felicidade; ao mesmo tempo, olhamos o professor Eduardo Lourenço, no seu impecável fato e gravata, como um figurante mais ou menos deslocado. Como é óbvio, não podemos responsabilizar a CNE por este estado de coisas. Além de que, convenhamos, “escolha votar” é uma boa mensagem. Diria apenas que alfaiates e cabeleireiros não merecem ser tratados como bodes expiatórios da nossa miséria política.