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Holly Weston em SUJIDADE E SABEDORIA (2008)
E se Sujidade e Sabedoria, a estreia de Madonnna na realização cinematográfica, fosse também uma espécie de revisitação/reinvenção dos temas fundadores do seu universo artístico? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 de Setembro), com o título 'A virgem, o vagabundo e a cineasta'.
Não é impunemente que se constrói uma carreira assombrada pelo tema da virgindade. Afinal de contas, em 1984 (já lá vai um quarto de século), Madonna abalava o mundo cantando “como uma virgem / tocada pela primeira vez” (like a virgin / touched for the very first time). Está longe de ser uma questão meramente sexual. Aliás, ao contrário do que proclama o cliché mediático, não há nada em Madonna que seja meramente sexual: o que a torna simultaneamente tão global e tão inclassificável é o facto de não rejeitar as componentes sexuais de qualquer narrativa, seja ela meramente paródica ou tenda para a gravidade teatral da tragédia. Em caso de dúvida, reveja-se Evita.
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Madonna consegue, assim, um filme que concilia duas vias tão distantes quanto estranhamente cúmplices. Por um lado, Sujidade e Sabedoria exibe as marcas desencantadas do mais cru realismo britânico. Por outro lado, há no filme uma dimensão de conto moral que nos faz pensar no cinema cerebral e demonstrativo de um Eric Rohmer. Em todo o caso, os resultados não necessitam de nenhuma caução (nem sequer a procuram). Madonna muda de máscara, mas mantém-se fiel ao seu individualismo: express yourself!