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Na verdade, neste labirinto de contrários, tudo começa pela revelação da obscenidade (= exterioridade, fora de cena) de algumas personagens que tentam salvar a alma, mesmo quando fazem mercadoria do corpo -- veja-se o emblemático vendedor de favores sexuais, exuberantemente interpretado por Eugene Hutz, vocalista dos Gogol Bordello. Tudo isso é território tradicional de Madonna, ou não fosse ela uma artista das margens do seu próprio tempo, perversamente instalada no centro da arena mediática.
A virtude pressente-se na imensa vulnerabilidade de todas as personagens, no modo como, para além da violência do quotidiano, essas personagens se revelam como pequenos animais acossados, plenos de ternura e comoção. Que é como quem diz: Madonna força o mais possível a dicotomia inocência/pecado, aprendida na incontornável herança católica (Like a Virgin é, afinal, o seu hino), e transforma Sujidade e Sabedoria numa aventura filosófica através da universalidade do Mal e da raridade do Bem. Crua pedagogia, ainda que plena de humor. São lições de uma senhora cada vez mais virtuosa.