terça-feira, setembro 22, 2009

Eleições 2009: histeria mediática

Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 21, com o título 'Histeria sem passado nem futuro'.

Afinal, o que se escreve quando se escreve em português? Por exemplo: leio e releio a manchete de sábado do Correio da Manhã: “Secretas limpam gabinetes de Belém”. Peço a indulgência do leitor (e também dos jornalistas do Correio da Manhã), mas o certo é que se desenhou na minha cabeça um cenário de thriller político à maneira de Hitchcock: um dia depois das notícias sobre o “caso das escutas”, o Presidente da República teria mobilizado todos os meios para ficar com a certeza de que a sua residência oficial está devidamente intocada. Percebo, depois, que o tempo presente (“limpam”) é um logro: a notícia remete para as origens da situação (“a Presidência da República desconfiava mesmo...”), não há certezas (“o que foi efectivamente descoberto é uma incógnita...”), a não ser que os salões de Belém não estão a ser vigiados (“não foram encontrados quaisquer dispositivos de escuta”).
O mínimo que se pode dizer é que a manchete possui a virtude pedagógica de esclarecer o que é uma “não-notícia”. Ou seja: uma forma de convocar uma mera hipótese, absurda ou verosímil, para sugerir uma certeza. Mas o mais perturbante está para além da oposição (incontornável, é certo) entre “verdade” e “mentira”. A manchete reflecte a mesma histeria que triunfou no espaço televisivo: tudo acontece num presente convulsivo que, em última instância, nos dispensa de reflectir sobre as ambiguidades do passado e o óbvio desconhecimento do futuro.
Esse novo presente mediático (e, insisto, estruturalmente televisivo) é também o tempo social em que vivemos, e somos obrigados a enfrentar, os problemas do nosso quotidiano. Exprime-se todos os dias nos repórteres de olhar agitado e voz nervosa que nos garantem que, por detrás deles, só pode haver muita agitação e, se o dia correr bem, alguma deliciosa catástrofe.