sábado, agosto 08, 2009

Viva Tina Fey!

A série 30 Rock — actualmente na RTP2, com o título Rockefeller 30 — é um caso excepcional no mundo do humor televisivo. De tal modo que desafia os próprios padrões de programação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 de Agosto), com o título 'Tina Fey e os Outros'.

Há discursos que insistem em deitar areia para os olhos dos outros, invocando a noção de “televisão popular” para insultar tudo o que a ela, supostamente, se opõe. Para tais discursos, o alvo está sempre automaticamente definido: são os “intelectuais” e a “crítica” que resistem à afirmação do espectáculo “popular”. De facto, também aqui importa recusar qualquer ecumenismo piedoso, começando por lembrar que a história da televisão (e não só, hélas!) está muito longe de ter gerado padrões universais e inquestionáveis.
De que falamos, então, quando falamos de “popular”? Importa recordar algo de muito básico, algo que o cinismo reinante não tolera. A saber: o “popular” não é essa zona mítica, e miticamente transparente, em que todos os pontos de vista devem confluir e silenciar-se. A “guerra do gosto” de que falava Roland Barthes não pára à entrada do “popular”. Bem pelo contrário: vem lá de dentro e só pode ser extremada e radical. Há outra maneira de dizer isto: para alguns, o “popular” realiza-se nas telenovelas e no estilo de Fernando Mendes ou José Carlos Malato; para outros, passa por uma série como 30 Rock. Escusado será acrescentar que, em tal “guerra”, não há armistício à vista.
Concebida, produzida e protagonizada pela hiper-versátil Tina Fey, 30 Rock é um daqueles clássicos instantâneos da história da comédia em televisão: um retrato do mundo da própria televisão (será preciso dizer que este jogo de espelhos define toda uma atitude criativa?) que, ao mesmo tempo que resiste aos clichés do meio, consegue definir um universo de espantosas e irresistíveis personagens, com inevitável destaque para o genial Alec Baldwin, no papel de um director executivo com um coração demasiado grande.
Saudemos, por isso, a RTP2 por estar a passar tão admirável preciosidade. Mas não contornemos o absurdo em que vivemos: o país televisivo chegou ao ponto de ter uma série como 30 Rock, exemplo vivo de riquíssimos valores de espectáculo (tem 22 nomeações para os próximos Emmys), a passar como se fosse um perigosíssimo produto para “intelectuais” (segunda a sexta, às 23h30). Nos EUA, desgraçado país sem cultura popular, passa na NBC, às nove e meia da noite.