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Raul Solnado começou a evidenciar-se no mundo do espectáculo na década de 50, como actor de teatro e variedades, sempre com uma importante ligação à rádio. O sketch "A Guerra de 1908" — interpretado pela primeira vez na revista Bate o Pé, no Teatro Maria Vitória —, foi um sucesso imenso na respectiva edição discográfica (juntamente com "A História da Minha Vida"), ficando como um emblema do seu humor.
Na televisão, entre Maio e Dezembro de 1969, o programa Zip-Zip — feito com Fialho Gouveia e Carlos Cruz, contando ainda com a participação de José Nuno Martins — foi um verdadeiro fenómeno nacional: através dos sketches de comédia (protagonizados por Solnado), das canções de "contestação" (um símbolo cultural da época) e das entrevistas (incluindo a célebre conversa com Almada Negreiros), por ele passaram os sinais contraditórios da "Primavera Marcelista". Participou, mais tarde, em programas também populares como A Visita da Cornélia ou O Resto São Cantigas, mas nenhum com o peso simbólico e a carga mitológica do Zip-Zip. Até ao seu falecimento, Raul Solnado manteve o cargo de director da Casa do Artista, fundada em 1999, instituição a que ficam para sempre ligados o seu nome e os de Armando Cortez e Octávio Clérigo.
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De qualquer modo, insisto, não é possível reduzir a questão ao talento seja de quem for. Importa, acima de tudo, tentar compreender algumas diferenças. E para situarmos Raul Solnado — e também para acedermos à riqueza do seu património — necessitamos de sublinhar dois elementos nucleares na dinâmica do seu humor e também na sua pose teatral (nisso se incluindo o labor da voz): desde logo, o enraizamento profissional na rádio, numa época em que a rádio era, de facto, um importantíssimo laço social, alheio ao novo riquismo tecnocrático que gerou um universo comandado pela mentalidade das "play lists"; depois, a relação visceral com a paisagem criativa do teatro de revista e o papel específico que, aí, adquiria o texto.
Mesmo aceitando que há uma descendência simbólica de Raul Solnado, tais componentes conferem-lhe uma solidão artística que, atrevo-me a supor, ele sentia com alguma amargura. Tanto mais que Solnado foi também uma das várias figuras eminentemente populares que o cinema português utilizou de forma tão irregular quanto escassa — lembremos os exemplos de Dom Roberto (1962), de José Ernesto de Sousa, ou Balada da Praia dos Cães (1987), de José Fonseca e Costa.
Daí que, também no caso de Raul Solnado, seja inevitável perguntar: de que forma vivemos (ou abandonamos) a sua herança? A nostalgia televisiva não chega. Pode ser mesmo uma maneira de deixarmos morrer tudo à nossa volta, mantendo um sorriso piedoso nos lábios.