Através da sua própria editora, a Orange Mountain Music, Philip Glass tem vindo a disponibilizar uma série de importantes gravações de arquivo, em alguns casos apresentando finalmente em disco obras das quais, até aqui, estavam apenas editadas algumas partes. Foi o caso, há alguns meses, de In The Upper Room, que apresentou pela primeira vez em disco a música integral que Glass compôs para o bailado homónimo (e do qual apenas havia editado fragmentos no álbum Dancepieces). Agora é a vez de Koyaanisqatsi, a banda sonora da primeira parte de uma trilogia que trabalhou conjuntamente com o realizador Godfrey Reggio, que assim lança na sua versão integral, acrescentando ao disco originalmente editado em 1982 (na idade do vinil e, portanto, com as restrições de espaço características do formato) não só mais música como elementos de sonoplastia usados no filme, aproximando assim o disco do som que acompanha as imagens.
Apesar da enorme variedade de caminhos que a música de Philip Glass já tomou nas suas inúmeras experiências para o cinema, Koyaanisqatsi é talvez a sua mais interessante (e completa) obra de colaboração com um realizador. É sabido que Stephen Daldry cedeu protagonismo à música de Glass em As Horas. É reconhecida a força cénica que a música do compositor desempenha em Kundun de Scorsese ou a carga dramática que imprime a Thin Blue Line, de Errol Morris. Podemos ainda evocar a carga dramática da partitura que serve Mishima, de Paul Schrader, o lirismo no reencontro com as imagens do Dracula de Todd Browning ou a impressionante transformação de La Belle et la Bête, de Cocteau, numa ópera… Mas foi em Koyaanisqatsi (capa da edição original em cima, à esquerda) que, mais que nunca, a música de Glass conheceu imagens que parecem saidas de um mesmo código genético, juntando-se aqui o som e os planos filmados num corpo único em que tudo faz sentido. Da contemplação dos elementos nas primeiras sequências ao vibrante ritmo metronómico da vida urbana (que acompanhamos ao som do vertiginoso The Grid), o filme pediu a Glass uma forma de olhar o mundo em que vivemos. E é um retrato de um planeta em desequilíbrio (no fundo, a tradução directa do sentido da expressão “koyaanisqatsi” na linguagem dos índios hopi) aquele que, observado em inícios dos anos 80, aqui voltamos a escutar.
Apesar de lançado em sala e, mais tarde, em DVD, Koyaanisqatsi tem conhecido desde a altura da sua estreia uma recorrente vida em palco. O filme fá joi exibido entre nós na Fundação Gulbenkian, com banda sonora ao vivo, síncrona com as imagens projectadas sobre o ensemble. Um pouco como mostra esta imagem de uma recente apresentação (ao vivo) da música e filme no Hollywood Bowl, em Los Angeles. Koyaanisqatsi teve depois continuação em outros dois filmes que completam o tríptico, reunindo ambos, novamente, a música de Philip Glass às imagens de Godfrey Reggio. Foram eles Powaaqatsi (1988) e Naqoyqatsi (2002). Pelo caminho colaboraram ainda em Anima Mundi (1992). Todos eles têm banda sonora já editada em disco.
Imagens do trailer do filme Koyaanisqatsi. A montagem de imagens usa diversos momentos da banda sonora de Philip Glass.