Nada como os meses do Verão para, perante uma redução na intensidade do ritmo das edições discográficas, encontrarmos uns pedaços de tempo para voltar a ouvir títulos que acabaram ignorados nos meses anteriores. É o caso deste A Catch In The Voice, o mais recente disco do canadiano Jesse Somfay, talvez a mais interessante proposta na área do chamado techno minimal desde o magnífico This Bliss, de Pantha du Prince, editado há já dois anos. Por enquanto ainda apenas essencialmente disponível em lojas online (por dowload), estando a edição física, em CD, ainda limitada a um serviço directo da editora, A Catch In The Voice é um pequeno monumento de acontecimentos que vale a pena descobrir. É um disco que pede tempo… Álbum duplo, divide as composições entre um primeiro disco essencialmente ambiental, guardando os temas ritmicamente mais nutritivos para o disco dois. É contudo no primeiro que se revela a face paisagista e de intenções quase narrativas de uma música que cresce à nossa vista tal e qual um olhar se lança sobre um espaço que aprende a ver, a distinguir e aos poucos começa a habitar. As composições revelam um interesse pelos métodos de construção gradual, não receando o canadiano o experimentar de sugestões de pontual opulência quase épica (como se escuta em Good Morning Strange Light), todavia sempre sob parcimónia… minimalista. Do estrito jogo minimal de elementos programados e de frestas de discreto (mas familiar) melodismo à tecelagem de ambientes que por vezes evocam claramente a escola Brian Eno, as composições criam, uma após outra, um espaço que em pouco tempo sugere uma noção de conforto. Ao qual se deseja regressar logo a seguir. Uma bela revelação!
Jesse Somfay
“A Catch In The Voice”
Archipel
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Ganhou visibilidade em meados da presente década através das duas magníficas colecções de canções que apresentou em Soviet Kitsch e Begin To Hope, álbuns respectivamente editados em 2004 e 2006. Discos nos quais a conviência com a cultura anti-folk assimilada em Nova Iorque se cruzou com heranças que trouxe de um berço russo (e em concreto dos primeiros ensinamentos de uma mãe com um passado profissional como professora de piano em Moscovo). Sem mudar o sentido da sua demanda, no novo Far Regina Spektor tenta agora ir um pouco mais… longe. Não por um qualquer desvio de opções estilísticas, mas através de uma abertura a uma mais vasta paleta de soluções e molduras para uma música que, contrastando com os tons mais sombrios que caracterizavam muitas das canções dos dois álbuns acima evocados, revela agora uma mais clara luminosidade. A este abrir de sorrisos junta-se a presença de quatro produtores, entre os quais Jeff Lynne (ex-ELO) e Jacknife Lee, figuras que contribuem para a abertura das canções a mais diversas soluções de espaço e convívio com soluções variadas nos arranjos. É curioso verificar, no fim, como apesar de todos estes novos ingredientes em cena, a voz e a personalidade da escrita para piano de Regina Spektor asseguram depois um sentido de unidade onde, com tantos sabores em jogo, as canções poderiam ter acabado cada uma seguindo seu caminho distinto… Na essência, Far é um disco que satisfaz. Surpreende em alguns momentos (como em Machine ou Dance Anthem Of The 80’s). Mas sem pérolas tão evidentes como noutras ocasiões, acaba por não encantar da mesma maneira.
Regina Spektor
“Far”
Sire / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace
É mais um caso de um disco que já por aqui podia ter passado há algumas semanas e que, com a (relativa) placidez do Verão musical que estamos a viver, ganha finalmente espaço para um merecido episódio de maior visibilidade por estes lados. Trata-se de um dos títulos lançados através da série Optimus Discos, criada sob direcção artística de Henrique Amaro, que, nos últimos meses, levou ao mercado uma série de edições de projectos nacionais em várias frentes do grande espaço da invenção musical do Portugal actual. Beat Journey, de DJ Ride, é mais um fruto que decorre de uma idade maior que a cultura DJ local começa a atingir. E mostra, sobretudo nos temas essencialmente instrumentais (a maior parte do alinhamento) uma noção de trabalho de ideias musicais, uma capacidade na gestão dos elementos cénicos e um gosto pela construção de acontecimentos (onde não faltam eventuais citações ou marcas de identidade), concedendo protagonismo a uma construção feita de ideias e espaços feita de vistas largas, espreitando horizontes novos a cada instante. DJ Ride teve a sua “formação” ao leme do trabalho com gira-discos. Aqui mostra como essa herança, juntamente com a assimilação de ideias de design feito pelo som são ferramentas que pode continuar a usar em favor de uma música que promete boas cenas dos próximos capítulos. Uma bela viagem. E um nome a acompanhar…
DJ Ride
“Beat Journey”
Optimus Discos
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Por vezes não deve ser fácil resistir à vontade de tentar seguir os caminhos daqueles cuja obra se admira… O pior é quando se cai na rasteira de piscar mais que o olho à citação, acabando por vestir a pele do admirado por mais tempo que o que era devido… Os ingleses Maccabbes começaram por nos mostrar, na estreia em disco (em Colour In It, em 2007), uma música intensa, não muito distante das manobras pós-punk que ainda animavam muitos dos acontecimentos de então (apesar de chegarem quase em fim dessa festa)… Ao segundo disco chamam a bordo a colaboração de Markus Dravs, que no passado não só colaborou com os Coldplay, como também com os Arcade Fire… E é de um quase decalque das ideias destes últimos que vive a essência de um álbum que na verdade não parece mais que um baile de máscaras. As canções oscilam entre o banal e o pouco mais que isso, reduzidas a um sem fim de manobras de citação dos tons épicos que já escutámos em Neon Bible (aí com canções, ideias texturais e soluções cénicas claramente melhores, convenhamos). Wall Of Arms é instrumentalmente competente. E só quando consegue fugir à assombração Arcade Fire (como por exemplo acontece em Can You Give It, um tema mais próximo da tradição indie pop folk britânica) vemos quão mais interessantes poderiam ser estes Maccabbes se não tivessem tomado escutado tantas vezes os discos dos Arcade Fire…
The Maccabees
“Wall Of Arms”
Fiction / Universal
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Era apresentada como uma das grandes esperanças de 2009. A BBC tomou-a como uma das forças maiores do seu Sound of 2009. Recentemente Florence & The Machine passou pelos palcos dos grandes festivais britânicos. E quando foi lançado (na verdade o disco chega aqui com umas semanitas de atrazo), Lungs chegou ao número dois em solo britânico… Ela na verdade chama-se Florence Welsh, e na sua música juntam-se ecos distantes de uma ascendência familiar irlandesa com interesses que passam por terrenos soul e pop. A música que cria juntamente com os parceiros de trabalho (a quem chamou The Machine) parte da exploração de um palco para uma voz de grande potencial sonoro (talvez daí os “pulmões” do título do disco). Este é contudo um palco tudo menos minimalista. Antes pelo contrário, cada canção parece ser como aquelas somas intermináveis com pilhas e pilhas de parcelas que em tempos aprendemos na escola. Soma e soma e volta a somar, acabando cada canção tão cheia de sons e acontecimentos, que o resultado vai bem para lá do patamar da coisa épica. Há pontuais instantes em que, apesar desta cenografia do excesso, o conjunto acaba nos limites da boa ideia. É assim em Girl With One Eye ou em Kiss With A Fist, este ultimo o grande momento do disco e, acrescente-se, a canção que tudo começou, parecendo então indiciar um caminho mais eléctrico que acabou depois secundarizado. Um ano depois desse primeiro (e promissor) single de estreia, Lungs traz contudo alguma desilusão.
Florence And The Machine
“Lungs”
Universal Music
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
Stephen Sondheim, Cass McCombs, A-ha, R.E.M. (reedição), Frankmuzik, Soft Machine (reedições), Luaka Bop, Julian Plenti, Wild Beasts
Brevemente:
10 de Agosto: Stone Roses (Collectors’ Edition), Edward Sharpe & The Magnetic Zeros, Neil Young (reedições), Erasure (remisturas)
17 de Agosto: Simian Mobile Disco, Calvin Harris, The XX, Bernstein (Alsop), Joe Henry
24 de Agosto: Arctic Monkeys, Brendan Benson, Giles Peterson. Múm
Agosto: Dolores O’Riordan, Muse, Noah and The Whale, Michael Jackson (Motown Collection)
Setembro: Duran Duran (reedições + DVD), Beatles (reedições), Apples In Stereo, Yo La Tengo, Zero 7, Sondre Lerche, Damon & Naomi, Beastie Boys, The Dodos, Prefab Sprout, Ian Brown, Editors, Big Pink