O filme de Ursula Meier (ver entrevista) é, de facto, uma das genuínas revelações do actual momento cinematográfico -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Julho).
Numa época dominada pela agitação das grandes campanhas dos “blockbusters”, os pequenos filmes (entenda-se: pequenos nos seus recursos promocionais) correm o risco de passar despercebidos. Por isso mesmo, talvez seja importante dissipar qualquer possível confusão entre este filme da cineasta franco-suíça Ursula Meier (nascida em Besançon, em 1971) e um outro, lançado há poucas semanas, de Yann Arthus-Bertrand, também intitulado Home, com o subtítulo português O Mundo É a Nossa Casa. Tratava-se, nesse caso, de um documentário ecológico sobre a sobrevivência do planeta Terra; quanto a Home – Lar Doce Lar, não deixando de ser uma aventura de sobrevivência, obedece a pressupostos dramáticos bem diversos.
Ursula Meier encena a história insólita de uma família (pai, mãe e três filhos) que vive, literalmente, ao lado de uma auto-estrada. Mais exactamente, a sua casa fica a poucos metros de um troço de alcatrão que permanece ao abandono. Um belo dia, a obra é concluída e, em pouco tempo, a auto-estrada deixa de ser uma espécie de recreio familiar para se transformar num cenário dantesco de ruído e poluição...
Crónica social realista? Parábola sobre a agonia da civilização do progresso e do automóvel? O primeiro e decisivo trunfo do trabalho de Meier decorre da sua resistência a qualquer tipo de racionalização, seja ela factual, seja filosófica. Assim, não só não sabemos como começou a história daquele bizarro clã isolado no meio da paisagem, como o filme evita fechar-se num qualquer dispositivo simbólico sobre o nosso presente.
Dir-se-ia que assistimos ao lento e inexorável desenvolvimento de uma série de cenas familiares, cujo absurdo não exclui uma desarmante normalidade. Home – Lar Doce Lar explora, aliás, de forma invulgarmente rica as tensões físicas entre os membros da família, como se a estranheza que se vai acumulando não contrariasse um realismo muito estrito. No limite, o efeito de tal dispositivo é criar um clima de crescente enquistamento do espaço, claustrofóbico mesmo, dir-se-ia uma inesperada fábula de terror.
Ao utilizar, nas personagens dos pais, uma estrela francesa da dimensão de Isabelle Huppert e o belga Olivier Gourmet (nosso conhecido dos filmes dos irmãos Dardenne), Ursula Meier cria um importante e decisivo efeito de curto-circuito: a vida daqueles seres pode parecer-nos “impossível”, mas o certo é que os seus rostos familiares acentuam a nossa cumplicidade. Como se assistíssemos ao apocalipse do planeta das auto-estradas. Faz medo. E envolve-nos numa invulgar beleza.
Numa época dominada pela agitação das grandes campanhas dos “blockbusters”, os pequenos filmes (entenda-se: pequenos nos seus recursos promocionais) correm o risco de passar despercebidos. Por isso mesmo, talvez seja importante dissipar qualquer possível confusão entre este filme da cineasta franco-suíça Ursula Meier (nascida em Besançon, em 1971) e um outro, lançado há poucas semanas, de Yann Arthus-Bertrand, também intitulado Home, com o subtítulo português O Mundo É a Nossa Casa. Tratava-se, nesse caso, de um documentário ecológico sobre a sobrevivência do planeta Terra; quanto a Home – Lar Doce Lar, não deixando de ser uma aventura de sobrevivência, obedece a pressupostos dramáticos bem diversos.
Ursula Meier encena a história insólita de uma família (pai, mãe e três filhos) que vive, literalmente, ao lado de uma auto-estrada. Mais exactamente, a sua casa fica a poucos metros de um troço de alcatrão que permanece ao abandono. Um belo dia, a obra é concluída e, em pouco tempo, a auto-estrada deixa de ser uma espécie de recreio familiar para se transformar num cenário dantesco de ruído e poluição...
Crónica social realista? Parábola sobre a agonia da civilização do progresso e do automóvel? O primeiro e decisivo trunfo do trabalho de Meier decorre da sua resistência a qualquer tipo de racionalização, seja ela factual, seja filosófica. Assim, não só não sabemos como começou a história daquele bizarro clã isolado no meio da paisagem, como o filme evita fechar-se num qualquer dispositivo simbólico sobre o nosso presente.
Dir-se-ia que assistimos ao lento e inexorável desenvolvimento de uma série de cenas familiares, cujo absurdo não exclui uma desarmante normalidade. Home – Lar Doce Lar explora, aliás, de forma invulgarmente rica as tensões físicas entre os membros da família, como se a estranheza que se vai acumulando não contrariasse um realismo muito estrito. No limite, o efeito de tal dispositivo é criar um clima de crescente enquistamento do espaço, claustrofóbico mesmo, dir-se-ia uma inesperada fábula de terror.
Ao utilizar, nas personagens dos pais, uma estrela francesa da dimensão de Isabelle Huppert e o belga Olivier Gourmet (nosso conhecido dos filmes dos irmãos Dardenne), Ursula Meier cria um importante e decisivo efeito de curto-circuito: a vida daqueles seres pode parecer-nos “impossível”, mas o certo é que os seus rostos familiares acentuam a nossa cumplicidade. Como se assistíssemos ao apocalipse do planeta das auto-estradas. Faz medo. E envolve-nos numa invulgar beleza.