quinta-feira, julho 09, 2009

Brüno e o sexo dos outros

No nosso tempo de "liberalização" de costumes, não admira que o discurso mais frequente sobre as sexualidades (plural, entenda-se) seja simplista e pueril. Assim, da publicidade à imprensa cor de rosa, é suposto cada um ter uma relação "natural" e "despreocupada" com a sexualidade (a sua e a dos outros). Dir-se-ia que quase todos querem apagar a herança mais radical de Freud: de facto, a sexualidade põe-nos em contacto, ou melhor, é o nosso contacto com aquilo que não sabemos, porventura tememos, na nossa identidade e que, como é óbvio, não se esgota na vida sexual. Em termos esquemáticos, mas sugestivos, podemos relembrar que Freud nos ensinou, justamente, que nem tudo é sexo, mas o sexo atravessa todos os domínios do nosso viver (e morrer).
Isto para dizer que o discurso mais corrente sobre o novo filme de Sacha Baron Cohen, Brüno, centrado num apresentador gay da televisão austríaca que quer triunfar em Hollywood, é, no mínimo, parcelar e parcial. De facto, que significa a preocupação corrente com o facto de Brüno ser "pró" ou "contra" os homossexuais?
Podemos deslocar a pergunta e sugerir algum paralelismo. Pensemos, por exemplo, em American Psycho (2000), o filme de Mary Harron baseado no romance homónimo de Bret Easton Ellis e centrado na figura de um homem que seduz e assassina mulheres. Por que é que nunca ninguém se preocupou em perguntar se American Psycho é "pró" ou "contra" os heterossexuais? De onde vem esta diferença de percepção?
Uma das respostas possíveis é esta: sempre que representamos a sexualidade dos outros, avançamos, nem que seja por denegação, com uma representação da nossa própria sexualidade. Ou dos valores que, social e culturamente, a enquadram. Um pouco no sentido que Roland Barthes enunciava no contexto literário: "No que se escreve, cada um defende a sua sexualidade."
No fundo, Brüno (a personagem e o filme) confronta-nos com essa dificuldade de lidar com as sexualidades, para mais num mundo tão dado a uma visão ligeira e anedótica da questão nuclear da identidade. Nessa medida, é um filme desconcertantemente didáctico e, à sua maneira, salutarmente político.