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Isto para dizer que o discurso mais corrente sobre o novo filme de Sacha Baron Cohen, Brüno, centrado num apresentador gay da televisão austríaca que quer triunfar em Hollywood, é, no mínimo, parcelar e parcial. De facto, que significa a preocupação corrente com o facto de Brüno ser "pró" ou "contra" os homossexuais?
Podemos deslocar a pergunta e sugerir algum paralelismo. Pensemos, por exemplo, em American Psycho (2000), o filme de Mary Harron baseado no romance homónimo de Bret Easton Ellis e centrado na figura de um homem que seduz e assassina mulheres. Por que é que nunca ninguém se preocupou em perguntar se American Psycho é "pró" ou "contra" os heterossexuais? De onde vem esta diferença de percepção?
Uma das respostas possíveis é esta: sempre que representamos a sexualidade dos outros, avançamos, nem que seja por denegação, com uma representação da nossa própria sexualidade. Ou dos valores que, social e culturamente, a enquadram. Um pouco no sentido que Roland Barthes enunciava no contexto literário: "No que se escreve, cada um defende a sua sexualidade."
No fundo, Brüno (a personagem e o filme) confronta-nos com essa dificuldade de lidar com as sexualidades, para mais num mundo tão dado a uma visão ligeira e anedótica da questão nuclear da identidade. Nessa medida, é um filme desconcertantemente didáctico e, à sua maneira, salutarmente político.