Como representar a diversidade do planeta e seus habitantes? Yann Arthus-Bertrand responde com um projecto de fascinante cruzamento de linguagens — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 de Julho), com o título 'As muitas formas de viver a globalização'.Yann Arthus-Bertrand é um fotógrafo francês (nascido em Paris, em 1946), militante das causas ecológicas. Recentemente, no mercado português, pudemos descobrir o seu trabalho com o filme Home-O Mundo É a Nossa Casa, viagem ao mesmo tempo documental e poética através de um planeta ameaçado pelo aquecimento global. À semelhança do que aconteceu noutros países, o filme foi objecto de uma exposição invulgar, uma vez que, no mesmo dia (5 de Junho), surgiu nas salas, nos circuitos de DVD e num canal de televisão (RTP2), isto para além de, durante algum tempo, ter estado disponível na Internet.
Paralelamente a Home-O Mundo É a Nossa Casa, Yann Arthus-Bertrand foi desenvolvendo um projecto também com várias ramificações (filme, livro, Net), a que deu a designação de “6 Milliards d’Autres” ou, na sua versão inglesa, “6 Billion Others”. Trata-se de celebrar a pluralidade dos mais de 6 mil milhões de seres humanos que habitam o planeta Terra através da multiplicação (mais de cinco mil, neste momento) de imagens e entrevistas.
Sabemos que vivemos tempos de globalização. Sabemos também que, por razões que vão desde os problemas ambientais aos laços gerados pelas muitas formas de dependência económica, essa globalização é um dado incontornável da nossa existência. Podemos discutir alguns dos seus pressupostos ou efeitos, mas não é possível viver “fora” dela. Em boa verdade, não há exterior a tal conjuntura. Ora, justamente, aquilo que Yann Arthus-Bertrand tenta colocar em cena é a globalização, não exactamente como um mero ecumenismo sem fissuras, mas como um tecido imenso que se abre (e nos expõe) a uma diversidade impossível de abarcar em todas as suas diferenças, seis mil milhões de diferenças.O valor de uma experiência deste género não se mede em termos meramente humanistas ou ecológicos. “6 Billion Others” é também o produto de uma ética que resiste aos efeitos mediáticos mais banais que tendem a formatar a própria ideia de globalização. De facto, a ilusão mais corrente dessa formatação impõe uma confusão automática entre globalização e transparência: como se a possibilidade de desfrutarmos de canais de acesso a informações de todo o planeta gerasse um conhecimento automático, e automaticamente transparente, de qualquer cidadão para qualquer cidadão.
No sistema de linguagens do nosso mundo hiper-mediatizado, o directo televisivo será a mais poderosa figura de retórica desse tipo de ilusões. Não está em causa, como é óbvio, que o directo possa funcionar como um espantoso instrumento de partilha de informação. O que importa questionar é a ilusão de “igualdade” que, muitas vezes, nele se gera. Com alguma ironia (mas também com absoluta pertinência), importa lembrar que não é o facto de usarmos o mesmo tipo de telemóvel de um pescador de uma ilha do Pacífico que torna as nossas experiências iguais ou intermutáveis...
Yann Arthus-Bertrand alerta-nos para a complexidade inerente à globalização: a partir do uno (o planeta em que tudo se liga com tudo), confronta-nos com as infinitas formas do humano. Em última instância, o seu projecto conseguirá que, através da consciência da multiplicidade dos outros, olhemos de forma mais incisiva para o lugar onde vivemos. Aqui e agora.