Mais do que nunca, importa interrogar os modos de apresentação/avaliação dos actos políticos em televisão, nomeadamente quando há eleições — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 de Junho), com o título 'A percepção da política'.
1. Nas televisões portuguesas, uma das componentes mais bizarras a marcar a noite das eleições europeias foi a clamorosa indiferença com que foi tratada a abstenção. É certo que houve dirigentes políticos, secundados por alguns comentadores, que fizeram questão em sublinhar a gravidade de uma percentagem (62 %) que, na prática, significa que cerca de 5 milhões de portugueses não votaram. Seja como for, o aparato televisivo foi sempre conduzido pela dicotomia “vencedores/vencidos” (que os houve, não é isso que está em causa), sem nunca se enfrentar o desastre político e a tragédia cultural que é ter metade de um país a manifestar esta indiferença em relação à sua própria inserção na Europa.
2. Seja o que for que cada um pense sobre Barack Obama e a política da actual admi-nistração norte-americana, o discurso profe-rido pelo Presidente dos EUA no Cairo (4 de Junho) constituiu uma peça fundamental para a dinâmica da actual geopolítica. Em particular, Obama teve a coragem essencial de lidar com os traumas da história, nomeando os muitos problemas que determinam a evolução das relações entre nações ocidentais e mundo islâmico. Nas televisões, de um modo geral, que restou dos 55 minutos que o discurso durou? Apenas alguns soundbytes que, mesmo quando sugestivos ou empolgantes, simplificam de forma drástica um pensamento incomparavelmente mais complexo.
3. De um modo geral, a percepção televisiva da política é superficial, maniqueísta e tende para o anedótico. Exemplos como os que atrás se recordam não são excepções. Antes decorrem de uma regra mediática: as dicotomias simplistas devem sobrepor-se sempre à densidade dos problemas. Tudo isso, claro, sustentado pela ideia (?) segundo a qual a rapidez é um valor fundamental. Que rapidez é essa? Não passa de um conceito pueril das próprias mensagens que se emitem: confunde-se brevidade com concisão, definindo-se implicitamente o espectador como aquele que não estará atento mais do que alguns segundos... É a ideologia dos spots publicitários transformada em lei jornalística.