A Palma de Ouro (curtas-metragens) para Arena, de João Salaviza [foto em cima] pode e deve ser pensada na sua dimensão real e nos seus efeitos simbólicos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Junho), com o título 'Que fazer com a Palma de Ouro?'.
Decididamente, o Festival de Cannes não dá descanso aos que insistem em problematizar o cinema português como uma oposição automática, maniqueísta e incontornável entre filmes “comerciais” (supostamente vistos por multidões passivas e acolhedoras) e filmes “artísticos” (apenas sancionados por alguns críticos pretensiosos, naturalmente alheados da vontade do povo).
Decididamente, o Festival de Cannes não dá descanso aos que insistem em problematizar o cinema português como uma oposição automática, maniqueísta e incontornável entre filmes “comerciais” (supostamente vistos por multidões passivas e acolhedoras) e filmes “artísticos” (apenas sancionados por alguns críticos pretensiosos, naturalmente alheados da vontade do povo).
Assim, o ano passado, Manoel de Oliveira marcou presença no palco do Palácio dos Festivais para receber uma Palma de Ouro honorária [foto com Gilles Jacob, presidente do festival], celebrando o seu centenário e uma obra imensa que nos ajuda a com-preender e habitar mais de sete décadas de cinema. Este ano, no dia 24 de Maio, João Salaviza, cineasta de 25 anos, subiu ao mesmo palco na qualidade de vencedor de outra Palma de Ouro, referente à secção competitiva de curtas-metragens (com o filme Arena).
Seria a altura de os principais actores da cena cinematográfica portuguesa (incluindo a maioria das personalidades políticas, de governo e oposição, quase sempre indiferentes aos filmes e ao respectivo valor cultural e simbólico) assumirem uma verdade muito simples, mas que memórias de muitas décadas nos ensinam ser objecto de sistemático recalcamento. Que verdade? A de que nos enredamos todos num beco sem saída se continuarmos a promover a noção triunfalista (?) segundo a qual o cinema português se deve definir por critérios lineares, únivocos e unilaterais de rentabilidade económica. Se nem Hollywood se rege por princípios tão simplistas, porque haveremos de ser nós a fazê-lo?
Bem sei que a mera formulação destas dúvidas atrai sempre um insulto grosseiro que se propala como se fosse uma evidência incontestável. Que insulto é esse? O de que alguns perigosos intelectuais (críticos sobretudo, como é óbvio) defenderiam um cinema português apenas para passar nos festivais estrangeiros... É certo que nunca ninguém formulou o problema desse modo tão estúpido. Mas convenhamos que, dada a conjuntura, apetece forçar a ironia: se for para ganhar Palmas de Ouro, por que não?
Não caiamos, por isso, no extremo inverso. É bem verdade que Arena reflecte um olhar próprio, à procura de uma visão (de uma certa realidade suburbana) que resista a clichés dramáticos e morais. Mas não é menos verdade que seria uma ingenuidade irrecuperável considerar que esta Palma de Ouro resolve a simples, mas essencial, questão da sobrevivência do cinema português como espaço específico de produção e criação, impossível de dissolver nos modelos de formatação estética e ética tantas vezes impostos pelos valores televisivos.
Fica uma certeza: a de que, mais do que nunca, a renovação de nomes e a criação de condições para novas experiências são vectores fundamentais de um cinema que saiba viver (e pensar-se) para além da tristeza normativa das ficções televisivas e também da sua perspectiva redutora sobre a vida comercial do cinema. E um desafio: tendo em conta a pequenez do mercado interno, importa também pensar seriamente o que pode significar (desde logo, em termos financeiros) uma política activa de difusão internacional do cinema português. Para alguns não será muito cómodo reconhecê-lo mas, nas últimas décadas, o cineasta de referência para essa difusão em muitos mercados estrangeiros dá pelo nome de Manoel de Oliveira.
Seria a altura de os principais actores da cena cinematográfica portuguesa (incluindo a maioria das personalidades políticas, de governo e oposição, quase sempre indiferentes aos filmes e ao respectivo valor cultural e simbólico) assumirem uma verdade muito simples, mas que memórias de muitas décadas nos ensinam ser objecto de sistemático recalcamento. Que verdade? A de que nos enredamos todos num beco sem saída se continuarmos a promover a noção triunfalista (?) segundo a qual o cinema português se deve definir por critérios lineares, únivocos e unilaterais de rentabilidade económica. Se nem Hollywood se rege por princípios tão simplistas, porque haveremos de ser nós a fazê-lo?
Bem sei que a mera formulação destas dúvidas atrai sempre um insulto grosseiro que se propala como se fosse uma evidência incontestável. Que insulto é esse? O de que alguns perigosos intelectuais (críticos sobretudo, como é óbvio) defenderiam um cinema português apenas para passar nos festivais estrangeiros... É certo que nunca ninguém formulou o problema desse modo tão estúpido. Mas convenhamos que, dada a conjuntura, apetece forçar a ironia: se for para ganhar Palmas de Ouro, por que não?
Não caiamos, por isso, no extremo inverso. É bem verdade que Arena reflecte um olhar próprio, à procura de uma visão (de uma certa realidade suburbana) que resista a clichés dramáticos e morais. Mas não é menos verdade que seria uma ingenuidade irrecuperável considerar que esta Palma de Ouro resolve a simples, mas essencial, questão da sobrevivência do cinema português como espaço específico de produção e criação, impossível de dissolver nos modelos de formatação estética e ética tantas vezes impostos pelos valores televisivos.
Fica uma certeza: a de que, mais do que nunca, a renovação de nomes e a criação de condições para novas experiências são vectores fundamentais de um cinema que saiba viver (e pensar-se) para além da tristeza normativa das ficções televisivas e também da sua perspectiva redutora sobre a vida comercial do cinema. E um desafio: tendo em conta a pequenez do mercado interno, importa também pensar seriamente o que pode significar (desde logo, em termos financeiros) uma política activa de difusão internacional do cinema português. Para alguns não será muito cómodo reconhecê-lo mas, nas últimas décadas, o cineasta de referência para essa difusão em muitos mercados estrangeiros dá pelo nome de Manoel de Oliveira.